
Rio de janeiro - Considerado o exemplo mais emblemático da fragilidade do Sistema Judiciário brasileiro, o naufrágio do Bateau Mouche IV completa 20 anos hoje sem que nenhum dos acusados tenha cumprido pena nos dois processos penais resultantes da tragédia que matou 55 pessoas. Nem a ação criminal movida pelo Ministério Público Federal que em 2002 condenou seis empresários por crimes de sonegação fiscal, falsidade ideológica e falsificação de documentos a 18 anos e quatro meses de prisão e a ressarcir R$ 4 milhões aos cofres públicos teve qualquer efeito prático: de dez réus inicialmente acusados, quatro tiveram as penas prescritas antes do julgamento e dois estão foragidos.
Outros quatro réus aguardam em liberdade o julgamento de recurso pelo pleno do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, que deverá acontecer em 2009. Nenhum centavo foi recolhido à Receita Federal. Dos mais de 80 processos de indenização a vítimas e familiares apenas um chegou ao fim e quem pagou a conta foi a União. "Este caso é emblemático por mostrar a ineficiência do Sistema Judiciário em todas as suas frentes", diz a procuradora Silvana Batini, que atuou na ação de sonegação fiscal.
O Bateau Mouche IV afundou perto da Ilha de Cotunduba, na saída da Baía de Guanabara, nos últimos minutos da noite de 31 de dezembro de 1988. Pouco antes, alguns dos mais de 150 passageiros, que pagaram o equivalente a U$ 150 pelo passeio, testemunharam quando a fiscalização da Capitania dos Portos deteve a embarcação, que já apresentava certa inclinação provocada pela entrada de água do mar através do vaso sanitário. Segundo testemunhas, após alguns minutos de negociação entre os fiscais e representantes das empresas promotoras do evento a Bateau Mouche Rio Turismo e a agência Itatiaia Turismo , o barco foi liberado para seguir viagem.
Dois processos foram inicialmente instaurados. No estado, eram réus os sócios da Bateau Mouche Avelino Fernandes Rivera, Pedro Gonzalez Mendes, Ramon Crespo, Gerardo Morgade Senra, José Ramiro Gandara Fernandes, Carlos Gambino Morgade, Juan Carlos Rodrigues Rodrigues, Alvaro Pereira da Costa e Faustino Puertas Vidal; e o dono da Itatitaia Turismo Francisco Garcia Riveiro. Apesar dos depoimentos de sobreviventes e dos laudos periciais que atestaram o péssimo estado de conservação da embarcação, o juiz Jasmin Simões Costa, da 12ª Vara Criminal, absolveu todos os réus.
A sentença de Jasmin foi reformada em 2ª instância, mas, devido a erros na elaboração do recurso, dos dez indiciados só foram condenados Faustino Puertas Vidal e Alvaro Pereira da Costa, gerentes do Restaurante Sol e Mar, de onde partiu o iate. Os dois começaram a cumprir pena em regime aberto, mas quando teve início a ação penal de sonegação fiscal eles e Avelino Fernandes Rivera fugiram do país. Na auditoria da Marinha foram condenados o capitão-tenente Schons, responsável pelas vistorias na embarcação, por homicídio culposo; e dois sargentos que detiveram a embarcação no dia 31, por crime de suborno. Os três foram beneficiados por sursis.
Impunidade prolonga agonia dos parentes
Vinte anos depois da tragédia, parentes ainda sofrem com a espera. Depois de ganhar, em 1992, o direito a indenização por danos materiais e morais contra os empresários, o advogado Boris Lerner que perdeu a mulher, o filho, um casal de amigos e a filha deles aguarda até hoje o julgamento do recurso impetrado pelos réus. O processo está desde 2004 nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 1998, ele deu entrada em processo para execução provisória da sentença, mas não houve sequer sentença de primeira instância.
Apesar de reclamar da morosidade da Justiça, Bóris garante que não vai insistir. Especialista em direito tributário, ele conseguiu, durante seu processo de indenização, reunir provas que levaram o Ministério Público a investigar e denunciar os empresários por crimes de sonegação fiscal, falsidade ideológica e falsificação.
Atuando hoje em cerca de 30 recursos e no STF, onde aguarda uma decisão final, Amarante afirma que o desafio agora é transformar condenações em dinheiro. Eles conseguiram, na Justiça o bloqueio de R$ 220 mil das contas do sócio majoritário da empresa Bateau Mouche, Pedro Gonzáles Mendes. Foi feito, ainda, o bloqueio de 2,5 milhões referentes a um precatório que seria pago em 2008. E cerca de 50 imóveis foram arrestados.
Na prática, só o barco cumpriu sua sentença. Ele foi vendido por R$ 6,5 mil em leilão realizado na Justiça Federal em setembro de 1995, para a empresa Brick Brack, como sucata e logo depois, derretido. O dinheiro foi usado para pagamento dos gastos que a União teve para içar a embarcação do fundo da Baía de Guanabara.



