
Na década de 1940, o indigenista e cineasta checo Vladimir Kozák, radicado em Curitiba, recebeu a encomenda de produzir uma matéria para a revista National Geographic. Do trabalho, pouco se sabe. Nunca foi publicado. Mas uma das fotos da reportagem, atualmente em exposição no Museu Paranaense, paralisa os visitantes: mostra quatro crianças dos arrabaldes se divertindo a bordo de bicicletas artesanais, feitas em madeira. Resta a imaginação.
Os guris deviam desejar ter uma bicicleta "de verdade" quiçá uma Torpedo, alemã, 1935. E se a desejavam, era porque a viam pelas ruas e sabiam ser um objeto importante. Sabe-se que os veículos de duas rodas eram cultuados e colecionados na capital nos idos da segunda metade do século 19, principalmente por influência da colônia alemã. O Clube dos Industriallistas, com seus ciclistas trajando bonés e flâmulas, era prova disso. Mas ainda são poucas as pesquisas capazes de explicar o lugar das bicicletas na vida local como chegaram e por que foram parar no quarto de despejo, recalcando a vocação da cidade para as duas rodas. Uma pena.
Em entrevista com estudiosos e esportistas se pode afirmar que as bicicletas começaram a ser utilizadas no estado pelas mãos dos barões do mate e comerciantes, assim como na bagagem de algum imigrante, como defende o historiador, colecionador e restaurador Marcelo Afornali, 41 anos. Daí ser "praticada" em clubes restritos para endinheirados. Eram importadas da Alemanha, Suécia, Inglaterra e Itália. Caríssimas, ficavam nas famílias, década após década, como uma cristaleira ou uma toalha bordada da Ilha da Madeira. Um luxo só. Não por menos, os melhores colégios, como o Estadual do Paraná e o Santa Maria, promoviam cortejos de bicicletas no desfile de Sete Setembro.
Relíquias desfeitas
A popularização como veículo para ir ao trabalho teria se iniciado de forma tímida a partir do final da década de 1940. Em 20 anos, a indústria nacional entra no setor, barateia a produção e aquece o setor de crediários, tirando as bikes do circuito da elite mais instruída, que a usava como esporte, lazer e prova de sua distinção europeia. Em paralelo, os proprietários de bicicletas, já devidamente motorizados, teriam passado a se desfazer de suas relíquias, vendendo-as a preço de ocasião, por exemplo, para gente como os guris clicados por Kozák na periferia.
Há controvérsias, mas essa "passagem de mãos" guarda um aspecto revolucionário: por pelo menos uma década, a de 1960, Curitiba teria experimentado o uso maciço de bicicletas como meio de transporte, movimento interrompido pela modernização no sistema "Expresso com canaleta", nos anos 1970. Tem fumaça e tem fogo. Atropelamento de ciclistas e motoristas reclamões batiam ponto nas páginas da Gazeta do Povo naqueles idos, indicando que havia conflito entre motoristas e ciclistas.
"Era impossível ir de carro para os lados do Portão. As ruas dos bairros viviam tomadas de bicicletas dirigidas por trabalhadores", lembra o comerciante Reinaldo Hain, 67, com conhecimento de causa. Os Hain assistiram nada menos do que mais da metade da saga bicicleteira no estado. Tudo começou em 1944, quando o pai de Reinaldo, José Emílio, e seu sócio, Henrique Projda, abriram o mix de loja e oficina Agência de Bicicletas, para atender os funcionários da Fundição Müller, nas proximidades de onde seria a Praça 19 de Dezembro.
Se as contas estiverem certas, a Agência é comércio do gênero mais antigo ainda em atividade no Brasil. "Alguns historiadores já me procuraram", admite o herdeiro do local. Em coro com outros interessados no assunto, Hain lamenta que ciclovias e ciclofaixas para uso diário não tenham aparecido nos projetos do Ippuc, inibindo, a partir daí, o uso urbano da bicicleta.
Veja imagens históricas de bicicletas em Curitiba







