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Após denúncias de violência, tortura e tratamentos degradantes contra jovens do Sistema Socioeducativo do Ceará, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) notificou o governo brasileiro e determinou uma série de medidas cautelares que devem ser adotadas em até 15 dias. A decisão atende a uma petição protocolada em março do ano passado por organizações de defesa da criança e do adolescente.

No documento encaminhado pelas instituições, são relatadas condições precárias das unidades de internação masculina, como a superlotação crítica, uso excessivo da força por parte dos instrutores, utilização do isolamento prolongado, abusos sexuais e falta de tratamento médico. Tudo isso, informa a denúncia, teria desencadeado mais de 30 rebeliões entre 2014 e o início de 2015, com a fuga de mais de 140 adolescentes. Em uma delas, um menino de 17 anos, que cumpria medida socioeducativa por homicídio, foi assassinado, “resultado da suposta ação da Polícia Militar”, afirma a CIDH.

A Comissão indica que o governo adote medidas que “salvaguardem a vida e a integridade pessoal dos adolescentes detidos” em várias esferas: infraestrutura, pessoal, condições de higiene, alimentação, saúde, educação e segurança. Também solicitam que sejam implementadas ações imediatas para reduzir o número de detidos nas unidades, já que a superlotação, em alguns casos, supera os 400%.

Três unidades socioeducativas já foram interditadas pela Justiça. Nas que permanecem ativas, “todas as salas de aulas e até o refeitório foram transformados em dormitórios - nome dado às celas onde (os adolescentes) permanecem reclusos”, sustenta a petição assinada pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), pelo Fórum DCA (Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca). Não haveria colchões nem água disponíveis nesses “dormitórios”, conforme citam as organizações.

Relatam, ainda, que em nenhum centro tem havido aulas ou atividades profissionalizantes, que as visitas de familiares têm sido suspensas e que as condições de trabalho dos servidores são precárias, incluindo salários baixos e equipes interdisciplinares insuficientes - cenário que indica um descumprimento da legislação que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), em vigor desde 2012.

Outro exemplo de desrespeito seria a aplicação das “trancas” - o isolamento solitário, uma punição disciplinar proibida por lei. Em 2014, em Juazeiro do Norte, um adolescente teve os braços quebrados após ser torturado, houve uma denúncia de estupro cometido por um agente público e até indícios de dopagem coletiva durante as festas de Natal e Ano Novo, informa a CIDH.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) do governo do Ceará, que administra as unidades, afirmaram que estão, desde novembro, trabalhando juntas para adotar as medidas solicitadas, por meio de um plano de “estabilização do sistema”. Segundo eles, o programa inclui, entre outros pontos, reforma de todos os centros socioeducativos, construção de novas unidades no interior, formação de pessoal e reavaliação da situação dos jovens para verificar se há casos em que é possível substituir a detenção por medidas de cumprimento de pena em liberdade, com o objetivo de diminuir a superlotação.

Esta é a terceira vez que o Sistema Interamericano intervém no Estado do Ceará para solucionar violações aos direitos humanos. Em 2001, a CIDH responsabilizou o governo por “omissão, negligência e tolerância” com o caso Maria da Penha. Cinco anos depois, deliberou o pagamento de uma indenização à família de Damião Ximenes, portador de transtorno mental que foi torturado e assassinado em uma casa de repouso filiada ao Sistema Único de Saúde.

Em relação a adolescentes privados de liberdade, o Conselho analisou uma denúncia contra rebeliões e homicídios na Febem de São Paulo, em 2002. Como nos três casos os efeitos foram positivos - aprovação da lei Maria da Penha, elaboração da reforma psiquiátrica e criação da atual Fundação Casa, respectivamente - os peticionários afirmam ter “expectativas de alteração estrutural no sistema socioeducativo cearense”.

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