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Política externa

Brasil exporta ajuda humanitária

País investiu em 2010 R$ 1 bilhão em cooperação técnica com outras nações, quase um terço do total gasto em 5 anos

Coube à Irmã Terezinha Kunen passar os ensinamentos da Pastoral da Criança aos moradores das Filipinas | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Coube à Irmã Terezinha Kunen passar os ensinamentos da Pastoral da Criança aos moradores das Filipinas (Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo)

Um efeito colateral do crescimento econômico brasileiro é a mudança de posição no universo da ajuda humanitária. Gran­de receptor de recursos dos países ricos, o Brasil passou nos úl­­timos anos a enviar mais dinheiro para fora. O governo federal gastou, somente em 2010, R$ 1 bilhão em cooperação técnica com outras nações. O valor é cerca de um terço do total investido em cinco anos, entre 2005 e 2009, aproximadamente R$ 2,8 bilhões. Os dados foram levantados em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Apli­­cada (Ipea), que em março deve divulgar a análise completa sobre 2010.

Coordenador do estudo do Ipea, João Brígido Bezerra Lima explica que as ações do Brasil não envolvem a doação direta de recursos para outros países. O foco é a partilha do saber técnico que algumas áreas do governo federal conseguiram adquirir. Os servidores brasileiros são enviados a outros países para orientar ações em suas áreas de conhecimento. O Brasil, por exemplo, fortaleceu ações na área da saúde, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e da agricultura, com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em­­brapa). O objetivo é ampliar as relações externas. "É a transferência de um saber sem transferência direta de recursos", diz Lima.

Por meio dessa política, o Brasil conseguiu ajudar projetos de reestruturação do Haiti, socializando o know how obtido para superação da pobreza. "Passamos a ser referência na cooperação para o desenvolvimento econômico. Há hoje uma forte organização para a internacionalização de organismos brasileiros", analisa o pesquisador do Ipea.

O órgão consultou a dotação orçamentária de todos os ministérios com o objetivo de retratar o investimento brasileiro. Para a elaboração do relatório de 2010, 285 servidores federais participaram do levantamento de informações, o que deve ser feito anualmente a partir de 2011. As decisões estratégicas sobre o tipo de cooperação e os futuros parceiros passam pelo crivo da Agência Brasileira de Coopera­ção, ligada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE). A perspectiva agora é ir até os países cooperados e ver quais os efetivos resultados alcançados.

Diplomacia

Para a pesquisadora Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o aumento da cooperação internacional é reflexo da mudança do perfil da política externa brasileira. "Há também a ampliação de recursos disponíveis, em função da estabilidade econômica", completa. Cristina avalia que esta é uma forma de consolidar a posição do país no campo diplomático. "Traz ganhos reais, porque mostra que somos capazes de agregar outras nações de maneira positiva", analisa.

No cenário internacional o país constrói uma imagem positiva, porque os gastos são com cooperação e não com guerras, por exemplo. "Há reforço do prestígio brasileiro no sistema internacional e a troca de experiências também propicia aprendizado", avalia a professora de relações internacionais.

A Embrapa é um dos órgãos do governo que mais recebe solicitações para atuar em cooperação técnica. As pesquisas desenvolvidas nas últimas décadas, que ajudaram a aumentar a produtividade no campo brasileiro, são o chamariz para países que querem "turbinar" a agricultura. Antônio Carlos Prado, coordenador de cooperação técnica da Secretaria de Relações Inter­nacionais da Embrapa, conta que na África há um importante projeto para melhorar a produção de algodão. Os pesquisadores estão verificando se a variedade de algodão desenvolvida pela Embrapa poderia ter a mesma performance em nações africanas.

Trabalho da Pastoral foi levado para 20 países

A experiência brasileira no combate à pobreza e desnutrição infantil levou a Pastoral da Crian­ça a expandir suas ações para ou­­tros países. Com um custo mensal baixíssimo por criança, cerca de R$ 2, a instituição viu que poderia levar o trabalho iniciado pela fundadora, Zilda Arns, para outros meninos e outras meninas. A Pastoral da Criança Internacional está atualmente em 20 países, sendo que em 16 há uma organização formal.

A ideia de internacionalizar as ações surgiu em 1991, mas problemas com a legislação brasileira impediam a ampliação do trabalho. Pela lei, verbas que entram no Brasil para projetos sociais não podem sair do país. A solução veio com a criação da Pastoral Internacional no Uruguai, em 2008, com leis mais flexíveis.

Com a institucionalização da entidade no exterior, a atuação ganhou mais efetividade. Hoje há 50 mil voluntários que acompanham 9 mil crianças em outros países. Os números ainda são pequenos quando comparados aos do Brasil, que tem 250 mil voluntários para cuidar de 1,5 milhão de meninos e meninas, mas as perspectivas são positivas.

Coordenador internacional da pastoral, Nelson Arns Neumann diz que o maior empecilho é a burocracia. "O voluntário quer trabalhar com a criança, por isso concentramos a burocracia na coordenação nacional", explica. Levar esse modelo de prestação de contas e avaliação dos resultados para países que ainda carecem de infraestrutura básica é o maior desafio. "É uma realidade que o Brasil enfrentava há 30 ou 40 anos. E para ganhar escala é preciso sistema de informação sólido", diz.

Filipinas

Desde 2003, a Irmã Terezinha Kunen, 62 anos, coordena a Pastoral da Criança nas Filipi­nas, na Ásia. Para se adaptar à realidade do país, a religiosa teve de aprender os dois idiomas locais mais usados e também compreender alguns dos 102 dialetos usados na região, formada por 7 mil ilhas. Apesar de ser uma nação com maioria cristã, a igreja local não tinha atividades voltadas ao trabalho social. Coube à Irmã Terezinha passar os ensinamentos de solidariedade pregados pela Pastoral.

Além da barreira óbvia do idioma, a voluntária precisou lidar com as diferenças culturais e a pobreza extrema. "No início, não tínhamos nada, nem um computador. Trabalhávamos com os líderes somente com cartolina. Aos poucos, a comunidade local percebeu a importância do trabalho e passou a ajudar. Estão encantados com a nossa metodologia. Querem a pastoral em toda a parte, porque viram os resultados", diz.

Terezinha veio ao Brasil para se atualizar sobre as ações da entidade e volta nesta semana para as Filipinas. "Eu adoro ser missionária. Tem uma paixão por ajudar que não deixa a gente ficar quieta."

Interatividade

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