Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Meio ambiente

Carvão ainda consome mata nativa

Paraná vai contra tendência nacional de utilizar florestas plantadas para obter combustível que alimenta siderúrgicas

Veja os principais dados sobre o desmatamento no estado |
Veja os principais dados sobre o desmatamento no estado (Foto: )
Carvoaria ambientalmente correta em Guarapuava: madeira é fiscalizada e estabelecimento tem autorização do IAP |

1 de 1

Carvoaria ambientalmente correta em Guarapuava: madeira é fiscalizada e estabelecimento tem autorização do IAP

Apesar de já ser o principal meio de se obter carvão vegetal no país, a opção pela silvicultura (utilização de árvores plantadas) ainda é insuficiente para atender à demanda crescente de madeira para a indústria e para o uso energético. Dados do Instituto Brasi­­leiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Energia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (IEE-USP) mostram que, nos últimos 20 anos, a área de florestas plantadas é praticamente constante. Os investimentos de grandes siderúrgicas no plantio de madeira, apesar de crescentes nos últimos anos, não conseguem freiar a produção de carvão a partir de matas nativas – o que ocasiona o desmatamento de áreas florestais como o cerrado e a caatinga e a consequente emissão de gases de efeito estufa.

Nas últimas duas décadas, só houve diminuição significativa no uso do extrativismo para se obter carvão no período entre 2008 e 2009, quando explodi­u a crise financeira internacional, que acabou fazendo com que empresas siderúrgicas brasileiras desligassem parte dos fornos. Estudo do IEE-USP estima que, somente em 2005, ano em que a produção nacional de carvão a partir de árvores nativas atingiu o ápice, somando 2,972 milhões de to­­neladas, foram desmatados ilegalmente 245 mil hectares e emitidas 72 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, devido à ação das siderúrgicas. No setor, o carvão vegetal é utilizado quase que exclusivamente para transformar minério de ferro em ferro-gusa.

Segundo o IBGE, a situação é ainda mais crítica no Paraná, estado em que a produção de carvão vegetal se dá em grande parte por meio do desmatamento, ao contrário do cenário nacional. De 1990 a 2009, o Paraná foi o sétimo estado que mais utilizou florestas nativas – principalmente a bracatinga – para produzir carvão (veja infográfico). Somente entre 2005 e 2009 a produção no estado chegou a 905,6 mil toneladas, e 76% do carvão vegetal foi obtido por meio do extrativismo, principalmente na Região Centro-Sul.

Valor

Para especialistas, a disparidade de preços entre o carvão vegetal obtido por meio da silvicultura e pelo extrativismo é um dos principais fatores que ainda freiam a busca por uma produção ambientalmente sustentável. Em média, o valor do carvão proveniente de florestas plantadas é 20,5% maior do que aquele que vem de árvores nativas. No Paraná, o perfil dos produtores reforça esse cenário: em geral são pequenos agricultores, que veem no carvão uma renda complementar e não têm condições de investir no plantio de árvores para obter o carvão.

"A diferença de preço é devido aos custos de produção da madeira, como o plantio, tratos culturais e colheitas, que não existem no carvão do extrativismo, além da disputa pela indústria de papel e celulose pela mesma madeira que poderia ser utilizada para produzir carvão vegetal", explica o físico e doutor em Energia pela USP Alexandre Uhlig.

Efeitos

Mesmo o uso da silvicultura, porém, é preciso ser visto com restrições, alerta o engenheiro florestal e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Alexandre França Tetto. Para ele, um dos impactos causados pela indústria siderúrgica é a perda de diversidade biológica em relação à cobertura florestal existente. "A mesma legislação que incentiva a silvicultura acaba dificultando o manejo e plantio de espécies nativas, além de não motivar a conservação dos remanescentes florestais. Assim, é mais fácil e prático cultivar espécies exóticas como o pinus e eucalipto do que cultivar espécies nativas", defende.

A ressalva não significa que a produção de carvão vegetal no país esteja em meio a um impasse sem solução. Para Uhlig, que também é responsável pela área de sustentabilidade do Instituto Acende Brasil, o incremento da fiscalização e o aprimoramento das técnicas de produção do carvão – que ainda é um processo rústico, altamente dependente do trabalho humano – podem ajudar a promover a ampliação da área florestada no Brasil, com estratégias ecológicas mais modernas. "Infelizmente, as iniciativas para a sustentabilidade do carvão vegetal no Brasil são lentas", critica o físico. "Sinto falta da inclusão da madeira no planejamento energético do país, principalmente se considerarmos que trata-se da nossa quarta maior fonte de energia", diz.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.