
Dois anos após o Ministério das Cidades estabelecer critérios de priorização na seleção de beneficiários do Minha Casa Minha Vida, Curitiba ainda está longe de uma política efetiva de habitação para a população em situação de rua. Enquadrados em uma cota de vulneráveis habitacionais, a quem são garantidas 3% das unidades residenciais do programa, até o momento, apenas três ex-moradores de rua da capital foram contemplados com uma casa e um quarto, já sorteado, aguarda a entrega das chaves.
Atualmente, cerca de 4 mil pessoas vivem em situação de rua em Curitiba, mas pouco mais de 80 foram consideradas aptas pela Fundação de Ação Social (FAS) a concorrer a uma moradia junto à Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab). Desse pequeno grupo, 21 saíram do cadastro por falta de renovação anual e um faleceu, restando 58 inscrições ativas. "Para ter uma moradia definitiva, a pessoa precisa estar em um estágio mais avançado de viabilidade, de autonomia. Não adianta só acessar esse direito, é preciso que haja um mecanismo de acompanhamento", explica a superintendente de planejamento da FAS, Jucimeri Silveira.
Segundo ela, a moradia temporária oferecida aos moradores de rua não é suficiente para restabelecer habilidades como autocuidado e planejamento, essenciais para a vida em uma residência. Pensando nessa transição, a FAS está trabalhando na criação de um condomínio social, em parceria com a Cohab, projeto que deve sair do papel já no próximo ano. Inicialmente com 150 vagas, a ideia é que ex-moradores de rua em estágio mais avançado de autonomia dividam uma casa, no modelo de uma república de estudantes, durante um ano. "Será uma gestão compartilhada do espaço, com rotina de cuidados da casa e monitoramento de uma equipe técnica. Depois de muito tempo, a pessoa cria uma relação de pertencimento com a rua e é preciso ressignificar esse pertencimento. A república é um último estágio antes da moradia definitiva", detalha Jucimeri.
Plano integrado
A superintendente da FAS admite que a oferta de unidades residenciais pela Cohab dificilmente suprirá a demanda de ex-moradores de rua aptos a ter uma casa, no ano seguinte à criação do condomínio social. Ela defende, no entanto, um planejamento de grandes moradias populares integrado à Região Metropolitana de Curitiba, de onde provém grande parte dos andarilhos que ficam nas ruas da capital. "Teremos que planejar políticas para ampliar esse atendimento, com a Cohab fazendo essa integração para o desenvolvimento urbano regional."
Contemplado, Leonildo mudou há dois meses
Receber o 13.º salário para colocar um revestimento no piso de cimento batido da casa nova. O plano de Leonildo Monteiro Filho, 38 anos, para o apartamento de 70 metros quadrados, no bairro Ganchinho, parece comum à maioria dos brasileiros que conquistam uma moradia da Cohab. Mas, depois de anos morando nas ruas de Curitiba, a mudança para a casa nova, em 5 de outubro, representa uma vitória ainda impossível à quase totalidade da população em situação de rua.
Da inscrição na fila da casa própria à entrega das chaves, o caminho foi longo: três anos de aluguel. "Fiz as contas e gastamos R$ 24 mil nesse tempo. A angústia maior foi nos últimos meses antes de mudar", diz a companheira Joana Kreutsfelt, 32 anos.
Dificuldades
A história de Leonildo, matogrossense de Nortelândia, começou a mudar com a chegada a Curitiba, em 2003, atrás de emprego. "Cheguei aqui sozinho, mas sendo negro e sem referências, só consegui bicos. Fui morar numa pensão, até que um dia me roubaram a pochete que carregava com todos os documentos."
A demora em conseguir a segunda via da certidão de nascimento e a escassez de oferta de trabalhos obrigaram Leonildo a ir para a rua. Passou então pelo litoral catarinense e por São Paulo, onde conheceu o Movimento Nacional da População de Rua, que coordena atualmente. "Voltei para Curitiba e saí da rua no final de 2010, quando a Joana pagou a pensão", lembra. Conhecedor dos direitos da população de rua, inscreveu-se na fila da casa própria e foi sorteado seis meses depois.



