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A Câmara Municipal de Salvador aprovou nesta quarta-feira (24) a lei de combate à cristofobia na capital baiana. O projeto — de autoria do vereador Cezar Leite (PL) — foi apresentado em fevereiro deste ano, após polêmica envolvendo a cantora Claudia Leitte, que trocou em uma de suas músicas o nome Yemanjá por Yeshua, termo hebraico que se refere a Jesus.
Entre as ações propostas pela nova lei está a implementação de campanhas educativas e ações de conscientização que promovam o respeito à fé cristã. Além disso, o projeto proíbe o uso de fantasias no carnaval que hostilizem a imagem de Jesus Cristo ou satirizem emblemas cristãos.
“Fica permanentemente proibido ataques, de forma direta e indireta, implícito ou explícito, de forma verbal, escrita ou física aos símbolos religiosos cristãos”, estabelece o texto, que prevê ainda criação de canais de denúncia para casos de discriminação e a aplicação de multa para atos comprovados de cristofobia.
“E artistas que fizerem isso não serão contratados em eventos promovidos pela prefeitura, pois defendemos a fé cristã", afirma o autor do projeto, que incentiva todos os cristãos, sejam evangélicos, católicos e espíritas a se mobilizarem para que o prefeito Bruno Reis sancione o texto.
O projeto, porém, poderia impedir críticas ao cristianismo. De acordo com o professor André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, a lei, ao tentar impedir a ofensa religiosa, teria se excedido ao colocar em risco a liberdade de crítica a religiões, permitida pela Constituição Federal.
"Tanto a defesa da religião quanto a crítica estão protegidas pela liberdade de expressão. Do mesmo jeito que Cláudia Leitte tem o direito de colocar uma menção a Yeshua, ela tem o direito também de tirar de uma música que tenha essa menção", aponta. "Então, tanto a defesa quanto a crítica estão cobertas pela liberdade de expressão", continua.
Marsiglia lembra também que o carnaval é uma expressão artística e que, "ao impedir a crítica pelo humor, que é uma expressão artística, você faz mais ou menos o mesmo que tentaram fazer com a Cláudia Leitte."
Segundo o vereador, a lei recebeu 35 votos favoráveis e apenas quatro contrários, sendo dois de vereadores do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), um do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e um do Partido dos Trabalhadores (PT). O texto segue agora para a prefeitura de Salvador e deve ser assinado pelo prefeito Bruno Soares Reis (União), em outubro.
Leia a íntegra do projeto aqui.
Relembre o caso Cláudia Leitte
O projeto de lei referente à cristofobia foi apresentado na Câmara Municipal de Salvador após a cantora Claudia Leite se tornar alvo de denúncias sobre intolerância religiosa e racismo na cidade. A cantora baiana alterou a letra da música “Caranguejo” durante um show em dezembro de 2024, e denúncias foram encaminhadas ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) contra ela.
O MP-BA, então, instaurou inquérito para apurar possíveis danos morais à honra e à dignidade das religiões de matriz africana, e uma audiência pública foi realizada para tratar do tema.
Segundo o vereador, uma das únicas pessoas que conseguiu discursar a favor da liberdade religiosa na audiência promovida pelo MP foi a advogada Alzemeri Martins, conhecida como Zizi Martins, do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR). Ela foi vaiada pelo público e teve a voz abafada pelos manifestantes que começaram a cantar para Yemanjá.
Para o parlamentar, a situação evidenciou "cristofobia e silenciamento de vozes que defendem princípios e tradições”. Por isso, ele decidiu protocolar o projeto de lei aprovado nesta quarta-feira (24).
"Cláudia Leitte estava simplesmente exercendo um direito fundamental que está ligado à liberdade de crença e consciência"
Alzemeri Martins, advogada do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR)
Claudia Leite exerceu sua liberdade de crença e consciência, diz advogada
De acordo com a advogada Alzemeri Martins, que representou o IBDR na audiência pública sobre o caso, em fevereiro deste ano, a mudança de palavras na música "Caranguejo" não pode ser considerada intolerância religiosa, racismo ou qualquer outro crime. "Cláudia Leitte estava simplesmente exercendo um direito fundamental que está ligado à liberdade de crença e consciência", afirmou a especialista.
Segundo ela, a liberdade de crença e de consciência garantida no artigo 5º da Constituição é um "direito inviolável” e reiterado em diversos Tratados Internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto de San José da Costa Rica.
Ou seja, "a pessoa tem direito a ter religião e a mudar de religião", pontua a advogada, ao ressaltar ainda que os cristãos são monoteístas, então Claudia Leitte não poderia cantar para outros deuses.
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