Castro, com 63.581 habitantes nos Campos Gerais, completa hoje 150 anos de emancipação o feriado, entretanto, foi ontem, data da elevação da freguesia em vila, em 1774 com uma qualidade que poucos municípios do interior ostentam: a história preservada. Museus e memoriais, bem como a arquitetura, com oito imóveis tombados pelo patrimônio histórico, guardam a memória de Castro. No arquivo público, estão catalogados 563 documentos do município e no acervo judicial existem mais mil, que vão desde a época da escravidão.
Da criação das sesmarias pela Coroa Portuguesa no início do século 18, passando pelo tropeirismo, entre 1774 e 1898, à vinda dos imigrantes no século passado, tudo está documentado e exposto. "São mais de 300 anos de história", diz José Augusto Leandro, professor de História do Paraná da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
A importância de Castro não se limita ao âmbito estadual. A cidade é uma das que se desenvolveram com o tropeirismo, atividade fundamental para o povoamento do Sul do país, que ganhou força no século 18. Até então, o principal transporte era o carro-de-boi, que era limitado por não acessar áreas que não fossem planas. Já os cavalos eram caros. A solução foi adotar a mula, animal resistente e capaz de transportar cargas.
As tropas (as maiores com mil animais) vinham de Viamão (RS). Por conta da geografia dos Campos Gerais áreas planas e de pasto , as tropas ficavam de três a quatro meses em Castro para a engorda. Com os animais recuperados, partiam para Sorocaba (SP), onde os muares eram comercializados para o garimpo de Minas Gerais e fazendas de Goiás e Mato Grosso, entre outros sertões. "O tropeirismo gerou a urbanização dos Campos Gerais, especialmente em Castro, com o pouso se transformando em vila", aponta o arquiteto José La Pastina Filho, superintendente regional do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Cultural (Iphan-PR).
Essa epopéia pode ser conferida no Museu do Tropeiro. Em um casarão do século 18 um dos imóveis tombados , o turista confere como era o trabalho do tropeiro. São 4,3 mil peças, a maioria obtida pela fundadora e diretora do museu, Judith Carneiro de Mello, 84 anos.
Para juntar as selas, pratarias e outros objetos, Judith usou um estratagema. "Muitas pessoas tinham ciúme das peças. Aí bastava eu dizer que era filho do Vespasiano para na mesma hora mudarem de idéia", lembra, referindo-se ao pai, Vespasiano Carneiro, ex-prefeito e deputado.
Entre os visitantes do dia que a reportagem esteve na cidade, encontravam-se um velho habitué e um marinheiro de primeira viagem. O engenheiro de vôo Fidélis Bueno, 79 anos, vai praticamente todos os dias ao museu. Já o lavrador Felisberto da Silva, 51 anos, aproveitou as férias dos filhos Claito, José Carlos e Patrícia para levá-los com a esposa, Eva, a conhecer um pouco da história. Os dois são netos de tropeiros.
"Os tropeiros eram homens calados e que passavam dificuldades", relata Bueno, que também é autor de pesquisas sobre o tema. "Faço questão que meus filhos conheçam essa história, que eu ouvia quando era do tamanho deles", ressalta Silva.
Outro casarão mantém uma extensão do Museu do Tropeiro: a Casa da Sinhara. Não só o nome como as escravas pronunciavam a palavra senhora , como o acervo referem-se às mulheres dos tropeiros, que, por conta das constantes viagens dos maridos, assumiam funções masculinas.
Castrolanda
A seis quilômetros de Castro, outro conjunto histórico permite conhecer parte da segunda etapa da história da cidade: a dos imigrantes. No distrito de Castrolanda, 58 famílias holandesas se estabeleceram entre 1951 a 1954. Baseado no tripé cooperativismo-educação-religião, elas vieram para proporcionar aos filhos um futuro melhor do que a realidade européia do pós-guerra.
Os holandeses receberam 5,6 mil hectares de terra. Em troca, introduziram novas culturas e tecnologia na agropecuária daqui. Em 1954, com 50 sócios, eles fundaram a Cooperativa Agropecuária Castrolanda, hoje com 650 sócios (não só descendentes de holandeses). Toda essa história está no Museu Casa do Imigrante Holandês, que mostra como era o dia-a-dia do colono.
Mas o que mais chama a atenção em Castrolanda é um moinho de 37 metros de altura, 90 toneladas de estrutura de madeira e duas pás de 26 metros único do Brasil e um dos maiores do mundo. Conforme relata o guia Rafael Robbers, 31 anos, que trabalhou de intérprete na obra para o arquiteto Jan Hejdra especialista em construções desse gênero, com 60 anos de profissão , o moinho foi construído em 2001 para os 50 anos da imigração. "Ele é todo de madeira encaixada, sem pregos, e baseada no moinho de Woldzigt, construído em 1852", explica.
O moinho não é só decorativo. Nos dias de visita, Robbers o põe em ação. "Quem vem aqui vê de verdade como o moinho funciona." A capacidade de moagem é de três mil quilos de grãos por dia. Dentro, há fotos e objetos expostos, como os tradicionais klompen (tamancos de madeira).



