• Carregando...

Um galo é o despertador na casa de dona Ana Filibrante e das filhas Anna Lúcia, 31 anos, Jocélia, 34, Maritilde, 36 e Rose, 38 anos. Todas as manhãs, antes das 6 horas, é ele que anuncia o início de mais um dia de trabalho. Depois de um café-da-manhã reforçado, as cinco mulheres – e mais Jorge Zeszutko, marido de Rose – se dividem entre os afazeres domésticos e a "lida" na roça. Primeiro alimentam os porcos e as galinhas, depois se enfiam na lavoura de milho, feijão e hortaliças.

O trabalho é pesado – carpir, roçar, semear, plantar, colher, e ainda atender os compradores que aparecem todo dia. Quase toda a produção é comercializada na vizinhança ou vendida a feirantes. Às vezes, a longa jornada se estende noite adentro: "Tem que semear o feijão, de tardezinha, e limpar à noite, porque se não estiver limpo ninguém compra", ensina dona Ana, que administra a propriedade desde que o marido morreu, há 25 anos. "Trabalhamos até as 8, 10 horas da noite, e vamos dormir às 11, meia-noite", conta a matriarca.

A rotina alucinante encolhe as 24 horas de cada dia e ainda devora fins de semana e muitos feriados. Férias então é uma palavra inexistente no dicionário da família Felibrante, e o lazer se resume aos almoços com a parentada e às festinhas na escola ou na igreja. Tanto que elas jamais puseram os pés numa sala de cinema, e três delas – Anna Lúcia, Jocélia e Maritilde – viram o mar pela primeira e única vez há cerca de nove anos. "Mas estava nublado, nem deu para aproveitar direito", lamenta Anna Lúcia.

Nada disso porém seria de estranhar – afinal, a vida no campo exige muito dos que sobrevivem da terra – , não fosse por um pequeno detalhe: a propriedade da família Filibrante fica na Colônia Augusta, a 20 minutos do centro de Curitiba. Dentro do terreno de 2,9 hectares há uma escola municipal. A poucos metros da cerca aparecem as franjas da urbe, com seus ônibus, carros, casas, gente e fumaça da região do Caiuá.

Mesmo assim, dona Ana fala da cidade como se fosse um planeta a anos-luz do seu mundo. "O melhor daqui é o sossego. Eu não gosto de ir para a cidade", explica. "Quando eu tenho que ir para lá, volto com dor de cabeça. Acho que estou acostumada com o ar puro." E ela tem razão. Sua chácara é um outro mundo, incrustado na metrópole. Sua família, embora nascida e criada na capital, tem a cara e o sotaque da gente do interior.

As filhas também não denunciam qualquer arrependimento por ter permanecido na roça, mesmo estando tão perto da cidade. "A gente gosta da vida aqui, tem dias que na nossa mesa só tem o que a gente tirou da terra", conta Anna Lúcia. "Além disso, o pouco que a gente produz, consegue vender. O que a gente ia fazer na cidade, ainda mais sem estudo?", pergunta. Dona Ana é analfabeta e Rose e Maritilde estudaram até a 4.ª série, enquanto Jocélia e Anna Lúcia foram até a 8.ª.

"Mas tem vezes que dá vontade de abandonar tudo, principalmente quando o tempo não ajuda", desabafa Jocélia. "Como em janeiro, choveu pouco, o tanque [onde elas criam peixes] secou, as plantas murcharam... e depois choveu demais e alagou tudo lá embaixo."

A família consegue tirar da terra aproximadamente R$ 2,6 mil por mês, mais o salário que o marido de Anna Lúcia ganha como motorista de ônibus – para sustentar nove pessoas. Para conseguirem permanecer no campo, os Felibrante contam com a ajuda da Secretaria Municipal de Abastecimento, que fornece sementes de milho e feijão, além de um trator para o serviço mais pesado. E toda a contabilidade é feita por instinto: "Uma época a gente até começou a marcar, mas deu que gastava mais do que ganhava...", relata Jocélia. "Aí desacorçoou, paramos de marcar."

Ligação

O elo entre os mundos rural e urbano é a nova geração: os garotos Ferdinando Zeszutko, 7 anos, filho de Rose, e Giovani Felibrante da Rosa, 8, filho de Anna Lúcia. Eles ajudam todo dia na lavoura, mas também aproveitam os 30 mil metros quadrados do terreno para brincar e andar de bicicleta. De manhã, freqüentam juntos a 2.ª série – onde conheceram o maravilhoso mundo da internet. Por enquanto, porém, também não trocariam a roça pelo feitiço dos shoppings, lanchonetes e videogames: "Eu gosto mais daqui. Na cidade não dá para soltar pipa, rodar pião, jogar bolinha...", retruca Giovani. Resta saber se a inocência sobreviverá à adolescência.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]