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Vacinas contra o zika: combate ao vírus avança na medida em que as descobertas científicas passaram a ser compartilhadas. | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Vacinas contra o zika: combate ao vírus avança na medida em que as descobertas científicas passaram a ser compartilhadas.| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Com o advento da biologia sintética e das ferramentas de edição genética, têm havido avanços incríveis na medicina, área energética e alimentação. Em poucos anos, veremos a cura para doenças degenerativas, novos biocombustíveis e grãos que podem ser cultivados em condições climáticas extremas. Também teremos novos pesadelos: bioterrorismo e experimentos de manipulação genética que saiam do controle. Imagine um superbug que possa curar ou matar milhões de pessoas ou um vírus direcionado a uma pessoa específica, como um político poderoso. Isso não é ficção científica; isso está acontecendo.

Em 2011, o cientista Craig Venter criou uma nova forma de vida transplantando um genoma desenhado em computador para a célula de uma bactéria que teve seu DNA removido. Hoje, uma técnica de edição genética chamada CRISPR está sendo usado na engenharia extramuscular de beagles, mini-porcos, supercabras e cogumelos brancos. Pesquisadores chineses estão editando embriões humanos. O custo para realizar experimentos de biologia sintética básica é de poucos milhares de dólares, para aparelhagem de laboratório e produtos químicos, e é possível desenvolver e ordenar uma sequência de DNA pela internet.

Nós ainda não estamos prontos para as consequências dessas tecnologias. Precisamos desenvolver urgentemente novas defesas biológicas, repensar nossas leis, enfrentar os dilemas éticos e unir pesquisadores de todo o mundo para resolver problemas assim que eles surjam. Podemos começar com uma coalizão global contra o vírus zika.

O zika é propagado por mosquitos e causa deficiências em bebês nascidos de mães infectadas. A epidemia deve atingir o mundo todo ao longo do ano. A solução parece estar na informação de código aberto - como pesquisadores de ponta têm recomendado. Em fevereiro, um poderoso grupo de organizações de saúde incluindo institutos de pesquisa, jornais acadêmicos, ONGs e financiadores assumiram um compromisso público de “compartilhar dados e resultados relevantes para a atual crise do zika e futuras emergências públicas de saúde tão rápido e aberto quanto possível”. Os signatários incluem os jornais Nature e Science, a Fundação Bill e Melinda Gates e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos.

“A pesquisa é um fator essencial para responder a qualquer emergência global de saúde. Isso é particularmente real para o zika, pois muito sobre o vírus ainda é desconhecido, como a forma de contágio e o possível link com a microcefalia. É essencial que assim que os resultados estejam disponíveis, eles sejam compartilhados rapidamente de forma equânime, ética e transparente. Isso garantirá que o conhecimento adquiro será rapidamente transformado e intervenções que causem impacto na epidemia”, disse Jeremy Farrar, diretor da Wellcome Trust, no comunicado.

Ciência colaborativa tem sido tema de debate há uma década. Um crescente número de pesquisadores tem defendido que qualquer pesquisa financiada por recursos públicos tenha os resultados abertos na íntegra, não apenas por meio de artigos científicos. É a mesma lógica de softwares de código aberto. Quanto mais olhos puderem estar sobre os dados, menor a possibilidade de esses dados terem erros - e as soluções podem ser desenvolvidas em conjunto. Como em um software, cientistas antecipam que abrir mais informações médicas aumentará o número de descobertas e reduzirá a redundância de pesquisas.

O compartilhamento desse tipo de informação não aconteceu efetivamente com a última epidemia de alcance global, o vírus ebola. Quando o ebola rasgava o oeste da África no inverno de 2014, um grupo no Broad Institute de Cambridge, nos Estados Unidos, publicou um repositório aberto com dados sequenciais de 99 genomas do ebola extraídos de pacientes do Hospital Kenema, em Serra Leoa. Foi apenas a segunda iniciativa de código aberto ao longo do surto. Antes, pesquisadores internacionais haviam publicado informações do genoma de três pacientes em Guiné, em abril.

Pelos três meses seguintes, nenhuma outra informação genômica descoberta por cientistas que estudavam o ebola foi posta em código aberto. O silêncio desnorteou muitos proeminentes cientistas. Um formidável conjunto de tecnologia de sequenciamento genético foi mobilizado para estudar o vírus. E ainda assim nenhum dado foi compartilhado.

Este atraso no progresso das pesquisas foi criticado por três dos mais proeminentes cientistas estudiosos do ebola: Nathan Yozwiak, Stephen Schaffner e Pardis Sabeti. Eles publicaram um apelo ao compartilhamento de dados na revista científica Nature, entitulado “Torne as pesquisas sobre o surto em código aberto”.

Dividir dados é um tema espinhoso entre cientistas. Na acirrada competição para emplacar artigos nas maiores publicações científicas - a moeda central nos círculos acadêmicos - pesquisadores tradicionalmente mantém dados sob sigilo para não por em risco a exclusividade das suas descobertas e, por consequência, a aceitação dos artigos.

Por outro lado, em pandemias como ebola e influenza, especialistas em segurança temem que publicizar informações genômicas permitiria a cientistas inescrupulosos ou regimes nefastos ficar nos ombros dos pesquisadores e usar as informações abertas para criar patogenias letais que poderiam matar milhões.

Uma década atrás, quando sequenciar o genoma era incrivelmente caro, tedioso e difícil, alguns dos argumentos para manter os dados fechados faziam sentido. Isso criou uma proteção eficiente contra estados e organizações desonestos. Mas hoje, o custo de sequenciamento de DNA e dos experimentos de biologia sintética caíram tanto que qualquer um pode fazer; os caras maus também têm pesquisas para desenvolver o bioterrorismo.

A boa notícia é que há mais gente no mundo disposta a fazer o bem. Precisamos unir os milhares de cientistas que pretendem usar a tecnologia para melhorar o mundo e resolver problemas críticos. A melhor maneira é criar comunidades e adotar o compartilhamento coletivo de pesquisas críticas.

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