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Domingos Leal tem 81 anos e há pouco mais de seis meses frequenta um curso de alfabetização em Recife. Está se saindo muito bem. Sua neta, cortadora de cana, está radiante. Que menina maravilhosa!

O desejo de seu Domingos era "apenas" aprender a escrever o próprio nome, pois não suportava mais sujar o polegar toda vez que exigiam que assinasse algum documento. É certo que, de uma perspectiva, se trata de uma sujeirinha sem maiores consequências, que se limpa com um álcool qualquer. Vislumbra-se nesse desejo do neoalfabetizando certo exagero? De outra perspectiva, contudo, trata-se de uma marca que assinala inequivocadamente o lugar de milhões de homens e mulheres pobres que não tiveram oportunidade de estudar e, assim, aprender o que crianças de 4, 5 ou 6 anos fazem brincando: assinar o próprio nome.

Assim como Domingos Leal, a avó de uma estudante de Letras também está inscrita em um programa de alfabetização, aqui em Curitiba. Faz dois meses. Sei disso porque a moça contou a novidade a uma colega. Como estávamos no mesmo ônibus e disputávamos míseros centímetros quadrados, foi inevitável ouvir. Chamou-me sobremaneira a atenção o comentário que a mocinha fez da elogiável decisão da avó: "Minha avó não se toca. Devia ficar em casa fazendo tricô".

Quando Domingos Leal tinha 16 anos, pediu à mãe que o matriculasse na escola mais próxima, uns dez quilômetros de casa. Analfabeta, viúva e com mais oito filhos, a mãe não pôde atender-lhe nessa extravagância. Daí suas palavras: "Leitura não enche o bucho, meu filho!" Estava certa: não enche mesmo. Todos os filhos sobreviveram. Quem ousa julgar a mãe de seu Domingos?

Quanto à estudante de Letras... Melhor ignorar. Com fez sua avó, que vai se sair muito bem. Afinal, já sabe fazer tricô, uma tarefa bem mais complicada do que ler, escrever, somar e subtrair.

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