Já que o assunto do momento é o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, proponho a seguinte reflexão: os acentos que vão desaparecer são realmente importantes para a nossa língua? Como eu mesmo vou responder, já adianto a resposta: sim e não. E acrescento: trata-se de mais um ponto de vista, entre outros.
Sim. Como retratou em sua belíssima coluna de 1º de outubro ("Sentirei saudades dos meus tremas", Vida e Cidadania, p. 11), o jornalista Fernando Martins sentirá falta dos tremas. Creio que não só ele, mas milhões de brasileiros também ficarão um "pouco órfãos". Prova disso é que algumas cartas de leitores deste jornal destacam justamente o corte de alguns acentos como a parte mais "bizarra" da nova ortografia. Parece-me que tanto o texto de Martins quanto as cartas dos leitores são provas suficientes de que a relação com a língua tem um aspecto afetivo que não pode ser desprezado. Um acento é mais que um acento, um trema é mais que um trema: é uma relação viva com a língua.
Não. Nossa língua já passou por outras reformas e perdeu acentos. Dezenas de milhares de palavras ficaram "nuas". Volto à coluna de Fernando Martins e colho dois exemplos: "êle" e " "sòmente". Parece estranho que um dia essas tenham sido as formas corretas de "ele" e "somente". Mas foram. E aqui temos o outro lado da história: tudo na língua escrita são convenções, cuja lógica não está localizada exatamente neste ou naquele acento. Se assim fosse, quantas palavras deveriam ser acentuadas nesta coluna? Pela lógica do ouvido, a palavra "nesta" pede (péde!) acento no "e": nésta. E "reforma", no "o": "refórma". Mas não é assim que funciona, como sabemos.
Nas próximas colunas pretendo aprofundar alguns aspectos dessa reforma. Unidos, sofreremos menos.
Adilson Alves é professor.



