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Uma das consequências desse perpétuo estado de ubiquidade em que vivemos, entrelaçados nas redes de informação, é a necessidade premente de ter "opinião". Sim, obviamente ninguém sobreviveria um minuto sem um sistema de valores, nem que seja o que nos leva a decidir se o melhor caminho para ir ao banco é pela direita ou pela esquerda (literalmente falando, bem entendido). O problema é que agora há um urgência assustadora para essa necessidade básica; e como a intimidade é um valor que está desaparecendo – é preciso que todos falemos bem alto ao mesmo tempo, que as paredes sejam transparentes, que os blogs todos estejam ligados 24 horas por dias para revelar os mínimos momentos de nossas vidas –, nossa opinião escancarada é parte indispensável da nossa personalidade.

Sim, sempre foi assim, mas agora parece que aquela ruminação silenciosa diante dos fatos do mundo, o silêncio diante do incompreensível, o direito ao espanto respeitoso, a apreensão tateante da névoa da realidade, a capacidade de dizer "não sei", como um bom começo de conversa, tudo isso cedeu lugar a uma histeria opinativa que não deixa a mínima fresta entre o fato e a faísca do cérebro. Como sempre fui lento em tudo, sofro terrivelmente nesse mundo novo.

O que você acha do Obama? O Ronaldo deve continuar o regime ou já está bem assim? O Irã deve ter programa nuclear? O presidente Chávez é um perigo ou é só o jeitão dele? Como resolver a questão palestina? O Rio São Francisco deve ser desviado? O desconto para estudantes nos cinemas é justo? Com o novo técnico o Atlético vai sair mesmo do buraco? O sistema de cotas melhorou ou piorou as universidades? O jacaré é um animal mais bonito que o sapo?

Isso não tem fim, nós sabemos. Ao lado dessas questões transcendentes, sempre aparecem duas ou três opções que pulam da tela do computador para a vida real. O lado triste da enxurrada de opções obrigatórias é que o reconhecimento do mundo vai se transformando numa fotografia chapada em preto e branco, sem lugar para nuances, dúvidas, incertezas, alternativas. Nessa rede obrigatória de sins e nãos, os cidadãos nos tornamos seres compulsivamente binários, cuja primeira consequência, parece, é o desaparecimento da relação humana no que ela tem por natureza de difuso e complementar. Nos períodos de ditadura, quando o Estado passa a ser ele mesmo agente do crime, o mundo fica de fato chapado, porque não temos outra escolha moral além de dizer não. Mas não vivemos mais numa ditadura.

A angústia da opinião está também no fato de que não posso me entregar à paralisia multiculturalista, segundo a qual não devo ter opinião nenhuma porque todas são antropologicamente justas. Mas como fingir que não estou em lugar algum? Enfim, melhor deixar o leitor em paz – o problema é do cronista, que é confuso.

Cristovão Tezza é escritor.

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