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Tudo bem, eu confesso: comprei uma máquina de caminhar. O nome técnico é "esteira", uma metáfora com ares ecológicos. Afinal, originalmente esteiras são aqueles tapetinhos de palha que estendemos na areia para pegar sol, o que dá uma aura de saúde e lazer ao objeto. Depois, por extensão de sentido e sofisticação tecnológica, inventaram as esteiras rolantes das fábricas de produção em série, que Charlie Chaplin imortalizou em Tempos Modernos. Mas com essas esteiras não há ninguém deitado ou tomando sol. Quem viu, se lembra: Carlitos com a chave sextavada na mão, tentando aparafusar tudo que passava na sua frente, em gestos repetitivos e esgotantes, até que ele enlouquece, sai dali parafusando o mundo e acaba entalado numa engrenagem gigantesca.É desse tipo de esteira mecânica que estou falando, cujo nome deveria ser de fato "máquina de caminhar". Esse mundo está tão perdido que até a habilidade mais antiga que existe, desde Adão e Eva – andar para a frente – já tem máquina para fazer funcionar. Bem, é uma história comprida que começou com um problema (estou engordando), chegou a um diagnóstico (preciso caminhar) e terminou com um fracasso: a ideia romântica de que, livre da Universidade, todo dia eu olharia o sol pela janela, feliz da vida, tomaria um café frugal (gosto da palavra "frugal"), diria em voz alta e alegre, como nos filmes – "Querida, vou caminhar!" – e sairia pela porta diretamente a um parque londrino de alamedas largas e curvas, piso regular, folhas de outono suaves ao vento, lagos fotogênicos. Bem, tecnicamente não é impossível; temos alguns bons parques em Curitiba – mas é preciso aquele gesto corajoso de abrir a porta, o "primeiro passo" das grandes caminhadas da vida, a iniciativa capaz de mover o mundo.

Foi esse maldito primeiro passo que me derrotou. Sempre há antes uma crônica para escrever, um livro para terminar, um e-mail para responder, um jornal para ler, uma lâmpada para trocar, uma compra para fazer. Ardiloso – sou duro na queda – pesquisei os sites de internet atrás de uma máquina de caminhar. Nem para isso eu saí daqui do computador, para vocês sentirem o grau da minha decadência. Em pouco tempo chegou o trambolho – digo, a esteira – aqui em casa. O painel é bonito: diz quantos quilômetros já "andei", quantas calorias queimei, em que altura está o batimento cardíaco, quantos quilômetros por hora estou fazendo, além de outros recursos secretos que vou desvendando no manual. O problema é: você fica 45 minutos no mesmo lugar.

O duro é ocupar a cabeça. Ler, impossível. Tentei, e de repente já ia me esborrachando, as pernas mais lentas que o cérebro. Ver tevê, só no último volume, porque a coisa é barulhenta. Com fone de ouvido, dá para ouvir notícia no rádio. Tudo bem, vou me adaptando. Se um hamster consegue, por que eu não conseguiria?

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