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Na revolução dos anos 1960, simbolicamente representada pelo movimento estudantil parisiense que se espalhou pelo mundo a partir de maio de 1968, criou-se a mais radical mudança de cultura e costumes do século 20. A revolução começou tímida nos Estados Unidos pela contracultura dos anos 50. Na origem, esse movimento era pouco mais que uma revolta adolescente contra o poder da família e o que ela representava (respeito aos mais velhos, missa aos domingos, dignidade do trabalho, sacralização do sexo, defesa da Pátria), numa sociedade cujo avanço tecnológico e fulminante enriquecimento começavam a pôr em xeque, pela simples descoberta da liberdade e do lazer, a mesma base econômica e cultural que os produzia. Um por um, os pilares que sustentavam os finais felizes dos filmes de Doris Day foram sendo postos abaixo: todo o poder aos jovens, horário é coisa de robô, fora com as religiões oficiais, abaixo o trabalho, viva a criação, sexo livre é afirmação da liberdade, bem-vindas à pílula, casamento é coisa da Idade Média, e Pátria são esses babacas que fazem guerra – vamos mudar o mundo!

É incrível, mas mudaram. Na periferia do capitalismo mundial, como no Brasil, a pauta libertária que revolucionava o mundo rico nos afetava a todos no varejo, puxando um fuminho naturalista, lendo Carlos Castañeda e ouvindo Raul Seixas, e no atacado acabava sendo o combustível psicológico de revoluções políticas fechadas, por meio de operações clandestinas organizadas ainda ao modo do século 19, com objetivos também daquele tempo: criar Estados poderosos que, implacavalmente, pela força e pela Razão Iluminista, haveriam de redimir a Humanidade (assim, com maiúscula), mesmo que fosse preciso massacrar as pessoas, que só fazem atrapalhar. Che Guevara foi o primeiro hippie homicida daqueles tempos. Um pouco mais tarde, barbudos muçulmanos, já sem humor nem charme, puseram lenha nova na fogueira.

De tudo fica um pouco, disse o poeta. No jornal, as notícias sangram. Estão em julgamento os assassinos de 111 presidiários mortos décadas atrás num massacre assustador, enquanto nos comentários anônimos da internet descubro, assustado, que brasileiros cordiais acham que matanças sumárias e coletivas hão de nos transformar numa Suíça; em outra página, um jovem atira na cabeça de outro jovem depois de lhe roubar a mochila; nos Estados Unidos, panelas de pressão explodem em atos de terror; na esquina, zumbis consomem crack; no Congresso brasileiro, um pastor evoca Satanás em uma Comissão dos Direitos Humanos, da qual é presidente. E o Estado brasileiro, sem nenhuma função aparente, prossegue sua vocação biológica de apenas reproduzir a si mesmo e garantir outra eleição.

Tento dar algum sentido a esse conjunto de fragmentos, nessa monumental ressaca dos anos 60. Vontade de descer à praia e contemplar meu amigo lagarto, solitário no quintal.

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