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Uma das experiências surpreendentes que tive na minha vida de mestre-escola, ao propor aos alunos exercícios de variação de gêneros – notícia de jornal, receita culinária, texto publicitário etc. –, foi descobrir como eles têm pleno e total domínio formal da linguagem dos horóscopos. Conhecem a estrutura sin­­tática, o vocabulário apropria­­do, as expressões típicas, o modo de tratamento, a aparência gráfica, as datas exatas, o nome dos signos e até as características atribuídas a cada um deles. De tal modo que praticamente to­­dos poderiam sair da sala de aula e assinar imediatamente uma coluna de horóscopo em qualquer jornal ou revista, e, qui­­çá, fazer uma bela carreira nes­­sa área promissora.

Sim, está claro: se eles dominam a escrita do gênero é porque são leitores vorazes de ho­­rós­­copos. Se lessem poesia como leem horóscopos, teríamos páginas de poemas em toda re­­vista do Brasil, e os poetas se­­riam respeitados como mágicos de circo. É uma coisa intrigante. Eu poderia imaginar que, de­­pois que a chamada Astrolo­­gia se transformou definitivamente em Astrono­­mia, ou pelo me­­nos ganhou um sólido terreno científico para se sustentar, ela ficaria restrita aos desenhos da Disney, aos contos da carochinha ou à picaretagem de baixo escalão. E no entanto... como di­­ria um Galileu ao contrário, e pur si muove, aí está ela, viva e forte, no imaginário cotidiano.

Como eu, vaidoso que sou, tento sempre me imaginar um iluminista perdido, um fóssil racionalista do século 18 à solta neste mundo mágico de hoje, insisto em buscar compreender por que as pessoas são irresistivelmente atraídas por explicações inacessíveis, teorias conspiratórias, razões inverossímeis, cabalas inacreditáveis, sempre seguindo a mais engenhosa gi­­nástica intelectual. Por exemplo: uma tábua cai na cabeça de um transeunte desavisado no centro da cidade.

Explicação 1: um engenheiro, para economizar nos custos, orientou o mestre de obras a não colocar rede de segurança na construção do prédio. O operário escorrega no andaime e deixa cair a tábua que transportava, a qual vai direto à cabeça daquele senhor distraído que saiu de casa para comprar pão.

Explicação 2: a Lua, em conjunção astral com os anéis de Sa­­turno, indicava claramente que as pessoas nascidas no se­­gundo decanato de Leão estariam predispostas a fazer escolhas erradas na manhã de segunda-feira, como atravessar a rua na faixa da primeira esquina, e não na outra, o que redundou nu­­ma tábua na cabeça; e aquele carro que parou na faixa e por isso atrasou em três segundos a nossa vítima, justo para fazê-la coincidir com a tábua, estava sob o efeito inescapável do solstício de inverno.

Qual explicação o leitor prefere? A primeira é de uma obviedade irritante; já a segunda tem um charme maravilhoso. Pensando bem, acho que vou começar a ler o horóscopo com mais atenção todas as manhãs.

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