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Sou de uma geração anarquista que se criou sob o emblema "é proibido proibir". Liberdade era a palavra de ordem, o mantra que ha­­veria de estabelecer os princípios da Revolução Francesa, fi­­nal­­mente aplicada aos valores do indivíduo. Liberdades políticas, individuais, sociais, familiares, mentais e que tais. Vendo já de uma boa distância, esse novo indivíduo foi gerado pela civilização da fartura americana nos anos 1950, que perdia a memória da dureza da Grande Guerra e começava a exigir a prosperida­­de permanente e sem culpa que o progresso tecnológico prometia. Do lado de cá do velho mu­­ro, a liberdade política alimentou todo tipo de utopia, principalmente as que não estavam de fato interessadas em liberdade, mas na utopia ela mesma, que, como se sabe, seja ela religiosa, ou política, ou perigosamente ambas, não gosta do indivíduo, esse serzinho imprevisível e de­­sobediente, e sim de massa, poder e controle.

E no novo século, as coisas parece que tomaram outro ru­­mo. Há um novo mantra no horizonte, o da responsabilidade ecossocial, digamos assim. Hoje, quando tudo é brutalmente produzido para a cultura do eu-sozinho, parece que, por paradoxo, não há nada pior que o individualismo. Mas o individualista de hoje não é mais o jovem rebelde que fugia de casa para viver al­­gum sonho. Agora a ficha dessa figura curiosa – se fosse possí­­vel agregar tudo na mesma pessoa – é a de um sujeito solitário dentro de um carro, fumando e bebendo cerveja, sem cinto de segurança, jogando a guimba e a lata na rua, falando ao celular, assobiando para as mulheres da calçada, parando o carro na faixa – isso quando para – e buzinando em cada esquina. Exa­­gera­­do? Sim, mas basta ver um filme dos anos 50 para descobrir que, tirando o celular, eis o retrato de um herói simpático daqueles bons tempos.

Hoje o legal é proibir. Para o Es­­tado, não é novidade – o Bra­­sil tem historicamente uma das mais ricas e diversificadas tabelas de proibições de tudo quanto é tipo e freguês, listas de artigos e penas que abrangem todas as áreas e atividades imagináveis (legisla até mesmo sobre a linguagem que falamos, como se a língua fosse patrimônio do Estado), e ao mesmo tempo conta com um sistema judiciário complexo, profundo e ramificado, de alta competência retórica. Mas, como sabemos, apesar desse impressionante aparato, é em geral incapaz de pôr em prática o que quer que seja relevante num tempo minimamente digno.

Mas o desejo de proibir, a volúpia da lei, entrou no imaginário das pessoas, e é sob sua sombra que a nova geração se arma. O clássico "deviam proibir isso" que a gente ouvia, com um arrepio anarquista, dos avós quadrados, agora está até na boca educada das crianças. A devassa que a era da informática permite na vida das pessoas é uma espécie de expressão coletiva desse prazer. Entramos na ci­­vilização do controle total; proibir é um desejo.

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