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Estou quase no fim da minha pesquisa, cobaia de mim mesmo, mergulhado 24 horas por dia em um trabalho de consequências profundas no organismo: a imersão total na Copa do Mundo. É um estudo que tomou todos os cuidados científicos para isolar o experimento e evitar interferência nos resultados. Nenhum outro compromisso foi assumido no período de inoculação da substância futebolística. Até aqui, todas as partidas foram assistidas, e todas as mesas redondas foram vistas, zapeadas e reprisadas, todos os dias, até a exaustão e o sono brevemente reparador, interrompido ao amanhecer com o caderno de esportes, as notícias fresquinhas que já nascem velhas, a repercussão municipal, estadual, federal e mundial do dia anterior.

O sistema de organização do tempo foi readaptado ao padrão Fifa, de modo a preservar a ferro e fogo as 13 e as 17 horas dos dias de jogo, que são os únicos momentos em que a vida proporciona realmente Algo Novo (AN). Telefone e interfone não são atendidos. Os resultados são acompanhados em duas tabelas de papel (cadê minha caneta?!), no celular, na tabuleta digital e no álbum de figurinhas, e conferidos no jornal.

E quais serão os efeitos desta imersão total na droga, durante bíblicos 40 dias e 40 noites?

É cedo para avaliar – os resultados ainda estão sendo tabulados. Mas já descobri, nos breves momentos de lucidez entre uma partida e outra, que há várias fases. A primeira é a Grande Euforia Lúdico-Escapista (Gele), a fase classificatória. O dependente tem diante de si o que ele considera um grande estoque de droga à disposição, três ou mais partidas por dia, sem interrupção, durante duas semanas. Tudo é novidade; direto no coração, o futebol leva a uma euforia globalizante que liberta o usuário do tédio existencial; um clima carnavalesco invade a alma e promete o paraíso na Terra.

Inteiramente preso na teia da substância letal, e cada vez mais estimulado pela cerveja que acompanha o jogo, que funciona como um Viagra Emocional, o usuário passa à segunda fase, a Ansiedade Eliminatória, que ataca em duas frentes do cérebro – numa delas, há o Medo da Derrota Canarinha, que cada vez mais é percebida como uma derrota pessoal; e, noutra frente, ocorre a consciência em lapsos de que o estoque da droga está chegando ao fim.

Concomitante ao MDC, acontece a terrível SAJ, Síndrome de Abstinência de Jogos, uma vez que a droga rareia, os jogos ficam mais violentos, um amargor ressentido se espraia nos corações e mentes, Deus entra em jogo, acusações explodem, jogadores são retirados de campo em macas e legiões de viciados se movem sem destino nas ruas como zumbis à espera de um próximo embate que poderá ser o Fim do Mundo.

A terceira fase virá a partir de hoje. Estou em plena experiência, sem condições de adiantar nada. O monitoramento cardíaco, entretanto, já está indicando uma importante alteração irracional. Oremos.

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