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Num encontro de literatura de que participei ano passado, lembro da observação de uma escritora colombiana, explicando a popularidade do presidente Uribe: a percepção generalizada entre os colombianos de que o presidente Chávez é "louco", e portanto uma fonte imprevisível de perigo, alguém de quem se espera tudo. E essa percepção sempre fortaleceu Uribe.

A tal "percepção" é um sentimento que nem sempre corresponde aos fatos, mas tem consequências poderosas. Se Chávez é maluco de pedra ou de conveniência, não sei. Já tivemos nossos doidos por aqui, mas como o Bra­­sil é muito mais complexo do que a cabeça dos governantes, os danos acabaram sob controle, da renúncia de Jânio ao desastre de Collor, que fechou uma era do país. A frase da colombiana sempre me vem à memória ao ler o noticiário sobre o Irã. Talvez haja alguma sabedoria geopolítica na opção brasileira em defender o país dos aiatolás, mas para mim ela é incompreensível.

Salamaleques diplomáticos à parte, se há hoje um ponto em comum absoluto entre os ricos e poderosos (sejam capitalistas ou comunistas, ocidentais ou orientais, cristãos ou muçulmanos, budistas ou nem aí), ou, numa escala miúda, eu, você e o padeiro da esquina, é o medo do terror – um terror que já se cria nas entranhas do Ocidente, como os atentados na Ingla­­terra, alguns perpetrados por in­­gleses, vêm mostrando. E pa­­rece que cada vez mais há uma percepção de que o Irã e seus aia­­tolás, pelos fatos, pelos fat­­was e pela retórica delirante, alimentam institucionalmente o conceito do terror; e a bomba é a cereja do bolo.

Sim, dizem alguns: mas se o Paquistão tem bomba, se Israel provavelmente tem bomba, se a Índia tem bomba, por que não o Irã? O historiador Eric Hobs­­­­bwam lembrou (em A era dos ex­­tre­­mos) como o equilíbrio da Guerra Fria, com as superpotências sentadas em bombas atômicas, se fez com um acordo tácito de que daquilo de fato se­­ria jamais usado; após a tragédia da Grande Guerra havia su­­ficientes pontos culturais em co­­mum na cabeça de um russo e na cabeça de um americano, um certo conceito de civilização cujas eventuais barbáries (e não fo­­ram poucas) não ul­­trapas­­sariam. E, afinal, nos anos 1950 nem União Soviética nem Es­­tados Unidos eram controlados por sacerdotes lunáticos defendendo o retorno à Ida­­de Média, pregando o extermínio dos judeus, enforcando opo­­sitores, apedrejando mu­­lheres, mandando matar escritores ou, nas suas ramificações mais sinistras, produzindo aten­­tados suicidas. O suicídio induzido como arma talvez seja a mais assustadora novidade bé­­lica do nosso tempo, profundamente incompreensível para a cultura ocidental.

Agora a situação é outra. Es­­ses sacerdotes existem, têm poder de fogo, controlam setores de Estados, são ao mesmo tempo executivo, legislativo e judiciário, julgam-se proprietários de Deus – e não têm o mais remoto senso de humor. Não sei o que o jeitinho brasileiro tentou fazer lá. Eu só não quero me sentir parceiro dessa confraria.

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