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São tantas delações, prisões e investigações no combate à corrupção que, por via das dúvidas, é bom pensar duas vezes antes de dar uma gorjeta (propina, em espanhol) e, conforme o prestígio e a carta de vinhos do restaurante, até os 10% do garçom ficam sob suspeita.

Nada como um dia depois do outro para constatar como os milhões desviados ontem tornam-se tostões, comparados com os bilhões afanados hoje. Foi assim com a Fiat Elba de Fernando Collor; em seguida, os mensaleiros de José Dirceu se tornaram trombadinhas perante os processos do juiz Sergio Moro e o crime organizado na Petrobras pode ir para o rodapé da história, somadas todas as fortunas ainda engavetadas nas catacumbas de Brasília.

Os milhões desviados ontem tornam-se tostões, comparados com os bilhões afanados hoje

Dentro dessa retrospectiva, nada mais justo que se faça uma revisão histórica de Moysés Lupion, o ex-governador do Paraná que até há bem pouco tempo era o ícone da corrupção no Brasil. Sinônimo de ladrão, como escreveu pela primeira vez David Nasser na revista O Cruzeiro. Por se tratar de um talentoso achacador, Nasser não ficou muito atrás de Lupion: tornou-se proprietário dos 735 hectares da Fazenda Água Amarela, no noroeste do Paraná, e foi a seu pedido que o distrito de Tupãssi, desmembrado de Toledo, recebeu o nome de Assis Chateaubriand.

Um dos últimos jornalistas a rever o mito Lupion foi Aramis Millarch. Em sua coluna de 11 de julho de 1986 no jornal O Estado do Paraná ele antecipou que o advogado Raul Vaz iria lançar o livro Moisés Lupion: a verdade – obra com mais de 400 páginas em defesa do paranaense chamado, acreditem!, Moysés Wille Lupion de Tróia (Jaguariaíva, 25/03/1908 — Rio de Janeiro, 29/08/1991).

Sobre Moysés Lupion, só a verdade é pouco. A saga desse personagem é tão rica que vaza a própria história e alcança a divisa da ficção. Avesso às entrevistas e justificativas, o lendário ex-governador levou para o túmulo a pecha de ladrão dos ladrões. Depois dele, só mesmo Adhemar de Barros, Paulo Maluf e Fernando Collor para lhe arrebatar a fama de maior gatuno da história do Brasil. Quem sabe Luiz Inácio Lula da Silva, como a Polícia Federal e o Ministério Público tentam provar.

Segundo Millarch, desde que deixou o governo do Paraná Moysés Lupion nunca mais quis falar publicamente de política. Todas as tentativas feitas para que desse um grande depoimento esbarraram com sua decisão de não se manifestar a respeito de seu governo – focado no desenvolvimento de um sistema de ensino secundário gratuito; em projetos ligados à saúde, especialmente puericultura; e na ampliação do sistema energético paranaense – e, especialmente, das acusações que sofreu por muitos anos: “Com isto, falta na história contemporânea do Paraná a palavra de um de seus personagens principais, um homem que, vindo de família humilde, fez a maior fortuna para sua época e, em duas eleições diretas, chegou ao governo do estado”, concluiu Millarch.

Com os direitos políticos cassados pelo regime militar e com alguns dos bens confiscados, foi inocentado pela Justiça em 1970. No fim da vida, depois de fugir do Brasil, era um homem doente, triste, vivendo no Rio de Janeiro – cidade que adotara havia muitos anos –, sobrevivendo com sua aposentadoria. Eventualmente vinha a Curitiba, mas sempre de forma discreta, recebendo raros amigos. “E pensar que em 1940, só na região de Cascavel, ele tinha 28 mil alqueires de terra”, recordava o amigo Raul Vaz.

De Moysés Lupion a Adhemar de Barros, de Paulo Maluf a Fernando Collor, de PC Farias a Zé Dirceu, do mensalão ao petrolão, passando pela Assembleia Legislativa do Paraná e antessalas do Palácio Iguaçu – mesmo que os bilhões dos ministérios salvem Dilma Rousseff do impeachment –, depois do juiz Sergio Moro nada será como antes. Ou quase nada, pois no Batel o castelo do Lupion é tombado pelo Patrimônio Histórico do Paraná.

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