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DE ROMA – A primeira descrição em língua italiana sobre a habilidade dos chineses na fabricação do papel é de Marco Polo. Da China à Europa, a histórica viagem do papel foi parar numa cidade chamada Fabriano, localizada quase no olho dos sismos que abalam o centro da Itália.

Na última semana de abril, ao lado de uma animada trupe de brasileiros, participei do Festival Fabriano in Acquarello, com demonstrações de técnicas pictóricas e exposições de obras dos aquarelistas oriundos de mais de 50 países. Em virtude de sua vocação – cujas fábricas da família Miliani fornecem papéis da marca Fabriano para desenho e aquarela em todo o mundo –, muito justamente há oito anos a cidade da região de Le Marche, na província de Ancona, transfigura-se numa aquarela, com mais de 800 inscritos desenhando e pintando pelas ruas e praças.

Entre outras singularidades daquele paese com cerca de 30 mil habitantes, que já em 1264 fabricava e fornecia os papéis até hoje consultados em arquivos históricos, o Museo della Carta e della filigrana Fabriano é uma retrospectiva da viagem histórica do papel e uma aula sobre a antiga tradição manufatureira e mercantil do papel (carta), memória conservada no fabuloso complexo do Convento di San Domenico, erguido em 1297 pelos dominicanos.

Da China à Europa, a histórica viagem do papel foi parar numa cidade chamada Fabriano

Com os visitantes reunidos junto a uma rudimentar máquina que transformava trapos em polpa de papel, o brilhante e ilustrado guia do museu começa sua exposição lembrando que os adultos costumam criticar os jovens com uma frase que inapelavelmente afasta qualquer possibilidade de diálogo entre as gerações: “No meu tempo...” – lembram os mais velhos, com frases como estas:

a) “Nem mesmo os tempos são mais aqueles de antigamente. Os filhos não mais respeitam os pais”.

b) “Esta juventude é ruim da cabeça. É ruim, preguiçosa e irreligiosa. Não é como a juventude de antigamente. Não vai conservar a nossa cultura”.

c) “Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso povo se depender da juventude superficial de hoje, porque essa juventude é sem nenhuma dúvida insuportável, desrespeitosa e ignorante. Quando eu era ainda jovem me ensinavam boas maneiras e respeito aos genitores: a juventude de hoje, que sempre quer ter a última palavra, é muita atrevida”.

d) “O mundo está atravessando um período atormentado. A juventude de hoje não pensa em nada, pensa só no que lhe interessa, não há mais respeito pelos pais e pelos velhos; os jovens são intolerantes a qualquer controle, falam como se soubessem de tudo. Os moços são vazios, estúpidos e bobos, sem modéstia e sem dignidade no vestir, no falar e no viver”.

Testemunhas do passado, as frases acima estão registradas (a) em um papiro egípcio de 5 mil anos; (b) num fragmento de argila da Babilônia de 3 mil anos; (c) por Esídio, 700 anos antes de Cristo; e (d) por Pedro, o Eremita, pregando a Primeira Cruzada, no ano de 1095.

Prosseguindo com a viagem do papel, das mãos pesadas de Kublai Khan aos tipos móveis de Gutenberg, até chegar aos dedos ágeis de Mark Zuckerberg, nesse itinerário o papel tinha mil e uma utilidades. Das folhas de papel almaço para as aulas de desenho ao papel Fabriano rugoso, 100% algodão, para aquarelas. Da caderneta para pendurar a conta no armazém ao recibo no fio do bigode. Da cartilha para a alfabetização ao jornal para embrulhar peixe.

No meu tempo, valia o que estava escrito no papel.

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