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Superfaturamento de obras. Licitações dirigidas. Corruptos notórios nomeados para altos cargos da administração pública. Esses são assuntos que, infelizmente, ocupam quase que diariamente as páginas dos veículos de imprensa brasileiros. De tão recorrentes, chegam até parecer notícia velha. E, de certa forma, de fato são. Se houvesse jornais no Brasil do século 16, as manchetes não seriam muito diferentes.

A corrupção no Brasil nasceu praticamente junto com o país. Em 1548, após o fracasso das capitanias hereditárias, o rei dom João III decidiu tomar conta da colônia. Determinou que fosse construída uma capital – Salvador. E nomeou Tomé de Souza como governador-geral do Brasil, uma espécie de primeiro-ministro.

Mais polêmica foi a escolha de Pero Borges para o cargo de ouvidor-geral, o equivalente hoje ao ministro da Justiça. No ano anterior, Borges havia sido condenado pela Justiça portuguesa por desviar dinheiro da obra de um aqueduto em Portugal. Ele tinha de devolver o dinheiro desviado e foi suspenso do serviço público por três anos. Mas... Borges acabou sendo agraciado com o perdão de sua majestade.

Outro corrupto notório do nascimento do país foi Antonio Cardoso de Barros, o primeiro ministro da Fazenda, ou provedor-mor, como era chamado o cargo. Ele era o responsável pela liberação do dinheiro para a construção de Salvador. Foi acusado de desvio de recursos, com os quais conseguiu erguer um engenho de açúcar para si.

A obra da capital da colônia, aliás, foi um manancial de irregularidades e um sorvedouro de recursos – estima-se que ela custou um terço do orçamento do reino, boa parte desviada. Documentos da época revelam que o anúncio dos empreiteiros que iam ser responsáveis pelos lotes de serviço raramente causava surpresa. Todos já sabiam quem ia apresentar a proposta de menor preço. As obras eram loteadas entre os empreiteiros. Punições para quem roubava o dinheiro público eram raras.

Qualquer semelhança com o que acontece hoje no país não é mera coincidência. A corrupção no país tem causas históricas e culturais. Mas só isso não a justifica. Portugal, de quem o Brasil herdou as instituições e práticas culturais, hoje ocupa a 28ª colocação no ranking da Transparência Internacional dos países menos corruptos. O Brasil está bem atrás. É o 72º.

No domingo, a Gazeta do Povo mostrou que as leis brasileiras favorecem a corrupção e dificultam a punição. Mudá-las para que os corruptos paguem por seus crimes seria o primeiro passo para que os jornais não continuem a publicar os mesmos assuntos de 460 anos atrás.

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P.S.: um bom livro para quem quer saber mais sobre as raízes históricas da corrupção brasileira é A Coroa, a Cruz e a Espada, de Eduardo Bueno.

Fernando Martins é jornalista.

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