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O ser humano, embora tenha sua individualidade, sempre fará parte de um todo maior. Existe uma união indissolúvel do homem com a natureza, com aquilo ou aqueles que estão ao seu redor. Jamais poderemos viver isolados em nós mesmos – como pessoa ou sociedade –, ainda que nos esqueçamos disso com insistente frequência.

Aliás, a nós nos cabe uma posição de destaque no mundo natural. Temos a razão, a vontade e a liberdade de fazer escolhas – atributos que vêm junto com uma responsabilidade: a de ajudarmos na realização plena das potencialidades de todas as coisas e seres que estão à nossa volta.

Temos, portanto, o potencial de nos tornarmos semeadores ou jardineiros daquilo que podemos chamar de floração do universo. Para isso, temos de desenvolver nossas virtudes e depurar os vícios que carregamos conosco.

Podemos, no entanto, ser agentes de destruição. Nossa rebelião contra a harmonia da natureza inevitavelmente nos causa males. Pois, enfim, somos parte dela. Se a parte está doente, o todo inevitavelmente estará doente. É assim na nossa relação com o ambiente. É assim na relação homem-mulher, quando uma das partes se impõe ou se opõe à outra. É assim na relação do corpo com a alma. Resgatar essa unidade perdida é nossa missão e redenção.

O argumento acima muito bem poderia ter sido formulado nos anos 60 ou 70. Era a época do nascimento do movimento ecológico, das lutas pelos direitos humanos, do feminismo, do paradigma holístico.

Mas essa visão, livremente interpretada por este colunista, é bem mais velha. Tem 800 anos. Floresceu em plena Idade Média. E pasmem: é fruto de uma mulher, a freira beneditina alemã Hildegard von Bingen (1098-1179) – uma personagem fascinante e, infelizmente, desconhecida.

Em um tempo marcado pela quase absoluta submissão do feminino pelo masculino, Hildegard rompeu barreiras e preconceitos para se impor e ser respeitada. Foi teóloga de reputação. Compositora de talento. Poetisa. Dramaturga. Botânica e médica. Tinha um senso de observação da natureza que, para alguns, antecipou em séculos a objetividade científica. Também é considerada santa pela Igreja, embora nunca tenha sido oficialmente canonizada.

Mas é forçoso destacar a contribuição de Hildegard para o pensamento universal, ainda que ela atribuísse sua visão original de mundo a uma revelação divina. Quem procura estudar a história da filosofia sabe da dificuldade em encontrar uma grande pensadora – algo que, obviamente, ainda hoje é usado para desqualificar a capacidade intelectual da mulher.

Conhecer Hildegard von Bingen é celebrar o gênio feminino e romper preconceitos – algo que se procura fazer nesta semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher. E mais: é buscar a harmonia perdida entre os sexos que se dizem opostos, mas que deveriam ser complementares.

Fernando Martins é jornalista

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