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Dizem por aí que o curitibano é fechado. Tímido. Até mesmo antipático. Muita tinta e papel já foram gastos tentando especular as razões desse jeitão de ser. Tenho cá entre meus botões uma teoria. Desconfio que ela tenha ciência nenhuma. Mera hipótese de boteco. Mas vamos lá assim mesmo: as calçadas explicam o curitibano. Ou melhor, as calçadas ruins – alô, prefeito! – explicam o curitibano.

Aliás, suponho que nossas autoridades municipais há muito já saibam disso. Porém, guardam a preciosa informação trancada numa arca enterrada nalguma curva do Belém. Que outra razão as faria se esforçarem com tanto afinco para conservar nossos passeios em seu estado tão tradicionalmente ruim? Só há uma resposta: elas amam os curitibanos. Do jeitinho que são. Não querem vê-los mudar, deixar de ser o que são. A calçada irregular, afinal, molda o morador da cidade.

Ao descuidar das calçadas, as autoridades nos enriqueceram

Expliquemos, então, a filosofia de botequim. A pedra de toque da teoria da calçada é, perdoem o trocadilho, a pedra cuspideira. Pedra boba, para alguns. Lá está você atrasado para um compromisso. Corre para pegar o ônibus. Pisa numa pedra solta com o pé esquerdo. E ela cospe água barrenta na perna direita. E então você diz: “Merda! Minha calça!” Não há bom humor que resista à cuspideira. Isso explica por que nos veem como antipáticos.

E a timidez do curitibano? Também é explicada pelo piso. Quem nunca levou um tropicão numa pedra mais alta da calçada? Ou escorregou no sabãozinho do petit-pavé da Rua XV num dia de chuva? Quem nunca se sentiu humilhado no meio da multidão ao dar aquele passo em falso, o pulinho ridículo? Frequentemente submetido à vergonha dos tropeços, o curitibano desenvolveu uma timidez inveterada.

Também há um bom motivo no chão que pisamos para justificar a fama de fechados que cultivamos. Por que o curitibano, afinal, não cumprimenta o vizinho? Porque não o vê. Está preocupado demais em olhar para a calçada. O motivo: não tropeçar na rua. O hábito de andar cabisbaixo, por sua vez, o tornou introspectivo.

Mas veja como nossos prefeitos têm visão de futuro: pessoas introspectivas são menos propensas a se distrair com o mundo externo e tendem a trabalhar mais – o que teria feito Curitiba ser uma das cidades mais ricas do país. Ao descuidar das calçadas, as autoridades nos enriqueceram. Genial! Eles sabem o que é bom para nós sem que a gente perceba.

Até mesmo aquele capim que cresce no vão do calçamento seria mais do que nossos olhos ingratos veem. Economia na capina? Desleixo da prefeitura? Claro que não. Eles trabalham para que a cidade seja cada vez mais verde. Afinal, somos a capital ecológica.

Calçadas boas, planas, sem mato mudariam quem somos. São, afinal, estrangeirices perigosas. Talvez este seja o motivo de estar surgindo tanta gente diferente do curitibano tradicional na cidade: alguns passeios estão melhorando. Alô, prefeito! Alô, candidatos a prefeito! Livrai-nos desse mal! Sabemos que vocês farão de tudo por nós. Já está escrito nalguma curva do Belém. Ficaria surpreso se fosse diferente.

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