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O medo talvez seja o sentimento que mais nos acompanha ao longo de nossas existências. Afinal, é a manifestação do instinto de sobrevivência, de preservação. É uma reação ao risco de perdermos o que valorizamos – em última instância, a própria vida. E é exatamente por ser uma atitude instintiva, fruto de nossa natureza animal, que o medo não é racional. Ele costuma surgir em uma situação de ameaça real, mas também aparece quando a razão nos diz que não há nada a temer.

Por isso mesmo, desde muito cedo na história da humanidade, alguns perceberam a força desse sentimento como instrumento de controle de mentes e corações. A manipulação política do medo, a partir daí, tornou-se prática consagrada. A maioria dos homens que já pisou sobre a terra viveu sob algum regime em que o temor de perder a liberdade ou a vida, após contestar a autoridade estabelecida, tinha um papel central na manutenção do status quo.

Isso mudou em certa medida a partir do século 17, com uma corrente do Iluminismo que fundamentou as bases das modernas democracias e procurou tirar o medo, irracional e castrador, do centro da política. Em seu lugar, esses iluministas procuraram colocar a razão e a liberdade de escolha.

Não é mera coincidência que as ditaduras, em contraposição aos regimes democráticos, sejam justamente o espaço da restrição da liberdade e do temor do cidadão em relação ao Estado. E que o terrorismo internacional, cuja base de atuação é a disseminação do medo, tenha como inimigo principal justamente as democracias ocidentais.

Mas eis que o medo ressurge forte neste segundo turno presidencial aqui na democracia brasileira. Ele é o argumento oculto da campanha de ambos os candidatos. De um lado, a tática é provocar o temor de que o oponente vai destruir tudo de bom que o atual governo tem feito, de que voltaremos a uma suposta idade das trevas. Do outro, o objetivo é destilar a ideia de que a família e os valores mais caros que temos serão destruídos com a vitória dos adversários.

Não vou entrar aqui na discussão se há motivos concretos para esses temores – deixo isso para a análise de cada leitor. O que quero ressaltar é o fato de que a estratégia eleitoral do medo é, em si, contrária ao fundamento filosófico e histórico da democracia.

Uma eleição deveria, em tese, ser o momento da escolha livre e racional do que é melhor para o país. Não é isso que está ocorrendo, pois o medo inoculado pelas duas campanhas tem o poder de turvar a razão e debilitar a liberdade de consciência na hora da decisão.

A tática dos dois candidatos também é sintomática das deficiências de nossa democracia. Eles afirmam ser democratas, mas adotam uma estratégia conceitualmente contrária ao que dizem ser.

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