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As revoltas populares que estão atingindo os países islâmicos têm muito a ensinar ao Ocidente. A "primavera árabe" mostra que, ao contrário do que se imaginava, a crença no Islã não é incompatível com os ideais da democracia. Oprimidos por regimes ditatoriais e submetidos a uma realidade profundamente desigual, os jovens que têm saído às ruas da África Mediterrânea e do Oriente Médio não empunham a bandeira da religião. Lutam, antes de tudo, por liberdade e igualdade – princípios atualmente em crise no mundo ocidental.

A liberdade e a igualdade são os pilares conceituais sobre os quais o Ocidente democrático foi construído, a partir do século 18. Na tradição iluminista, são considerados valores universais. Ou seja, válidos para qualquer ser humano: todos os homens são igualmente livres para fazer o que quiserem, até o limite do direito do outro. A partir desse postulado, foi erguido o Estado nacional moderno – instituição fiadora, por meio de leis e de mecanismos de coerção, do direito universal à igualdade e liberdade.

Mas, a partir da década de 60 do último século, as bases do universalismo moderno começaram a ser questionadas por uma corrente de pensamento e um movimento social pós-moderno que se convencionou chamar de multiculturalismo. Ele surgiu quando minorias étnicas, religiosas e sexuais, dentre outras, passaram a reivindicar o direito à diferença e à equidade, em contraposição à igualdade e à liberdade.

Uma das origens do multiculturalismo é a ideia de que o Estado moderno, ao tratar todos os cidadãos de forma igual (o universalismo), reproduz as desigualdades e discriminações a que estão submetidas as minorias. Portanto, seria necessário que o Estado reconhecesse formalmente a identidade desses grupos minoritários e lhes concedesse direitos diferenciados que lhes assegurem a equidade social diante dos demais cidadãos.

Obviamente, essa concepção abala profundamente os alicerces do Estado moderno, um dilema muito bem descrito pelo sociólogo franco-peruano Danilo Martucelli no artigo As Contra­­dições Políticas do Multiculturalismo, publicado na Revista Brasileira de Educação (1996, n.º 2) e disponível na internet.

Mas, ainda que haja discriminação contra as minorias, talvez seja melhor tentar encontrar a solução para isso dentro do próprio Estado moderno. Abandonar o ideal sobre o qual se assentou a democracia ocidental é um passo no escuro, com grande potencial de retrocesso. Numa interpretação radical do multiculturalismo – não dominante mas nem por isso inexistente –, seria admissível permitir noções variadas de direitos humanos para distintos agrupamentos étnicos em nome do respeito às suas culturas.

Curioso é notar que vem justamente do mundo islâmico, tido como atrasado, o resgate do ideal da liberdade e da igualdade que está em crise no Ocidente. Talvez aqueles países nem mesmo venham a se transformar em democracias, pois ninguém pode prever qual é o destino de uma revolução. No entanto, os árabes mostraram nas ruas que ainda há princípios universais para se lutar.

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