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Fernando Martins

O engodo da política como benesse

É bom ficar atento nestas eleições. Políticos que têm ou já tiveram mandato eletivo costumam usar o horário eleitoral gratuito e outros eventos de campanha para descrever as obras e serviços que conseguiram "trazer" para a população. Tal comportamento, porém, não passa de um embuste político que revela a visão equivocada que eles têm da democracia.

Esses políticos adotam a postura de benfeitores do povo – pessoas que lutam pelo bem-estar da população com desprendimento. Colocam-se na posição de líderes magnânimos que estão dando um presente a nós. Alguns chegam a autointitular-se "pais" da comunidade. Dizem que nos consideram como filhos. E, como era de se esperar, cobram gratidão. E o momento de retribuirmos as graças recebidas é exatamente agora, nas eleições, com o "voto de confiança".

Trata-se, no entanto, de uma exploração do sentimento de gratidão que aprendemos a ter por meio da educação familiar. E, assim, os políticos misturam, em benefício próprio, duas lógicas distintas: a do mundo privado e a do público.

Relações de família são baseadas em laços de sangue e de afeto. Estruturam-se na ideia de uma hierarquia de funções: há os pais (os provedores) e os filhos (receptores de carinho, atenção e bens materiais concedidos pelos pais, a quem devem obediência e gratidão).

Já na esfera pública as relações entre pessoas têm outra natureza. São baseadas na noção de direitos e deveres. Somos cidadãos e não há hierarquia. Ou seja, somos todos iguais perante as leis – ao menos por definição.

Mas o discurso dos políticos usualmente nos tenta fazer crer que há sim um vínculo de subordinação, de obrigação nossa para com eles. Se os governantes e parlamentares nos dão "dádivas", temos de ser gratos. O engodo do argumento é justamente considerar que o serviço ou obra que eles trazem para a comunidade é uma benesse, uma concessão do Estado todo poderoso só obtida por meio da intervenção do "político-salvador".

Mas as benesses, na verdade, não são concessões abnegadas de um político ou do Estado. São apenas o retorno do dinheiro de nossos impostos para atender a uma legítima reivindicação social e, muitas vezes, a um direito da população. Em muitas ocasiões, são ainda o resultado de uma mobilização da própria comunidade, canalizada por meio de seu representante político.

Aliás, é apenas isso que são vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e o presidente da República: meros representantes da população – subordinados a ela. Quem tenta passar a imagem em contrário no fundo revela um desprezo da sociedade, tratada como desigual, simples "pedinte" de favores. Cuidado com esses na hora do voto.

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