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Lá no fundo da residência, colado à área de serviço. E bem menor que os demais da casa ou do apartamento. Quem já morou em um imóvel de padrão médio ou alto construído até os anos 80 quase certamente sabe do que se trata: o quarto da empregada. A peça hoje anda em desuso – algo que supera o modismo das construtoras e que muito diz sobre a modernização do país. Tanto como a extensão de todos os direitos da CLT aos trabalhadores domésticos, recém-aprovada no Congresso.

Até recentemente, a dependência da empregada era tão obrigatória em um projeto arquitetônico quanto uma vaga de garagem é atualmente. Abastados e remediados não dispensavam a mão de obra da mulher (ou menina) que limpava, servia, comia, dormia e por vezes se divertia junto à família. Mas que não era da família.

Enfim, juntos, mas desiguais – a fórmula tradicional da convivência social brasileira que vem sendo posta em xeque. A própria arquitetura urbana trata de diferenciar patrões e empregadas no espaço do lar. O quarto dos fundos é um apêndice da residência. Tal qual – e guardadas as devidas proporções – a casa grande tinha a senzala (ou a morada dos agregados) como sua extensão nos tempos do Brasil Colônia.

Gilberto Freyre, no clássico Casa-Grande & Senzala, mostra como essa organização fundiária colonial condicionou a formação sociocultural da nação. Escravos, compadres, comadres e afilhados frequentavam a residência do senhor, para servi-lo ou não. Era no entorno desse imóvel-símbolo que girava uma sociedade em que todos conviviam – por ora com violência, mas também com relativa tolerância racial e social. Estavam todos juntos. Mas todos sabiam seu lugar, desiguais que eram – diferentemente do modelo clássico norte-americano, em que os cidadãos são iguais perante a lei, embora por vezes se "isolem" em suas comunidades étnicas.

Nesse sentido, o quarto da empregada nos imóveis urbanos é uma inevitável continuidade material da tradicional organização da sociedade brasileira. Mas seu gradativo desaparecimento nas novas construções constitui um sinal silencioso de um novo tempo, mais igualitário, marcado pela valorização da mão de obra da doméstica – o que tem levado a classe média a optar por novas formas de executar os afazeres de casa.

O corolário desse fenômeno social havia de ser a extensão de todos os direitos trabalhistas às domésticas. Elas continuarão juntas de seus patrões – ainda que seja cada vez menos comum dormirem nas casas deles. Mas passarão a ser iguais a todos os demais trabalhadores, inclusive aos seus empregadores eventualmente assalariados. Talvez aí resida a utopia brasileira: todos juntos e iguais.

Férias

Entro em férias e volto a escrever neste espaço em maio.

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