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Quando eu era criança, tinha medo de que uma guerra nuclear acabasse com o planeta. De que fosse dormir uma noite e tudo simplesmente desaparecesse. De que as bombas atômicas não permitissem um novo amanhecer.

Hoje, esse temor pode parecer sem sentido. Quem é mais novo talvez nem saiba o que significa a expressão "inverno nuclear" – um fenômeno que seria provocado pela emissão à atmosfera da fuligem das explosões nucleares, que tamparia o sol e causaria uma pequena era glacial. Mas estou falando do início dos anos 80. O mundo ainda estava dividido entre nações capitalistas e comunistas, em constante tensão bélica. Meu medo não era algo apenas de criança. Era uma ameaça real.

O noticiário reproduzia o conflito silencioso da Guerra Fria. Me lembro ainda de um filme – O Dia Seguinte (The Day After, produção norte-americana de 1983). Foi um sucesso na época, mostrando o que aconteceria se a 3.ª Guerra Mundial fosse deflagrada entre Estados Unidos e União Soviética. Enfim, a destruição quase total.

A queda do Muro de Berlim, que na última segunda-feira completou 20 anos, de certa forma foi responsável por acabar com a fobia de uma guerra atômica. A golpes de marretas e picaretas, os alemães que buscavam tão somente a liberdade de ir e vir não puseram abaixo apenas o paredão da vergonha. Derrubaram o regime comunista, implodiram a Guerra Fria e diminuíram enormemente o risco de um conflito nuclear. Hoje ninguém vai dormir com receio de bombas atômicas. Esse também é um dos legados do fim do Muro – um mundo mais seguro.

Viver em segurança, sem o temor constante de uma ameaça para a qual se está indefeso, é um importante marco das civilizações. As próprias sociedades humanas e o Estado surgiram diante do risco de que, sozinhos e relegados ao individualismo, todos vivessem em uma guerra permanente.

Mas esse aspecto civilizatório fundamental costuma ser negligenciado, por vezes esquecido. O aniversário da queda do Muro é uma boa oportunidade para lembrá-lo, especialmente porque talvez hoje o maior medo que perturba o sono dos brasileiros seja justamente a falta de segurança pública.

Curiosamente, o muro também é a imagem-ícone da criminalidade. Não um muro para dividir as cidades ao meio, como em Berlim. Mas sim para proteger seus cidadãos contra a ameaça do crime. Nos últimos anos temos visto cada vez mais as residências muradas, gradeadas. É um sintoma de que algo não vai bem, nada bem. Afinal, um muro sempre é uma divisão social. Enquanto não pudermos ter a liberdade de prescindirmos desses novos muros, não viveremos em paz.

Fernando Martins é jornalista.

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