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 | Foto: Albari Rosa / Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Foto: Albari Rosa / Ilustração: Felipe Lima

Ouça um bom conselho: ponha-se na frente do Reservatório de Água do Alto São Francisco e pregue os olhos no prédio antigo que se ergue do outro lado da rua. É o convento das irmãs vi­­centinas, paisagem que convida a vencer o subidão da Carlos Ca­­valcanti e a bater pernas nos pa­­ralelepípedos da Jaime Reis com a Manoel Ribas, na altura do nú­­mero 2. Ali, arre, Curitiba ainda se parece com ela mesma.

Besta, conto em vão quantas janelinhas tem o edifício erguido em 1927. Me pergunto se o claustro é de azulejos. E se àquela hora uma freirinha poda rosas en­­quanto pede pelas almas. Puxo conversa fiada com um qualquer. Conto ter ouvido dizer que ali estaria a maior concentração de irmãs de caridade por metro quadrado no Brasil. Se assim for, que barato deve ser o mar de véus pendurados nos varais, um agrado para Nosso Senhor.

Me emociono. Lembro que aquelas paredes chumbo guardam uma história de guerrilha. Entre 1973 e 1974, a morada das freiras serviu de prisão especial para a jornalista Teresa Urban, condenada por lutar contra a ditadura. Sua transferência da Penitenciária de Piraquara para o convento se deu graças à interferência do arcebispo dom Pedro Fedalto, seu anjo. Para mim, aquele local vai ser sempre o sa­­crário da agonia de Teresa.

Dia desses, soube algo mais. Me falaram que a Manoel Ribas n.º 2 está se tornando uma sucursal da Rue Du Bac, área de Paris onde se desenvolveu a devoção à medalha milagrosa de Nossa Senhora das Graças. Explico. Foi na Du Bac, em 1830, que Santa Catarina Labouré, então noviça, pediu aos céus para ter um particular com a Mãe de Jesus. Foi pra já. Não só viu como conversou com a Virgem ao pé de uma ca­­deira, na língua de Voltaire e de Simone de Beauvoir, como se fossem coleguinhas do Sacre-Coeur. Que se morda o mundo: Paris é tão rafinné que Maria, por lá, apareceu na descolada Rive Gauche, em Saint-Germain-des-Près.

A vicentina Therezinha Re­­monatto viveu mais de uma dé­­cada na Rue Du Bac e se im­­pres­­sionava com a fila de 5 mil fiéis por dia, para ver a tal cadeira e tra­­zer medalhinhas a mancheias. De volta ao país, ajudou a abrir os portões do prédio da Manoel Ribas e a transformá-lo num centro de devoção à francesa. Hoje, os que vivem fora dos muros po­­dem cruzar o hall do convento e se ajoelhar na capela de mosaicos dedicada a Nossa Senhora das Graças. Com sorte, o peregrino se debruça numa das 120 janelas da casa, contempla as Mercês e flagra uma mére no jardim. Alguns, ali, hão de lembrar de Teresa, a revolucionária. Outros vão recorrer a Therezinha, a visionária, para saber miudezas sobre Labouré. É como música ouvi-la falar do anjinho que conduziu Catarina ao encontro com Maria.

Nas tardes de segunda-feira, durante a Novena da Medalha Mi­­lagrosa, escuta-se histórias belas tanto quanto. Sabe-se do sequestrado de Irati, lançado ao porta-malas e salvo pela medalhinha consigo. Do que viu a arma apontada na cabeça e se safou pela prece. De Brígida Rebelo Gloger, que teve a bênção do ma­­rido curado de mal de morte. E do engenheiro de aviação João Zu­­colotto, 14,4 mil horas de voo na Varig. Ele traz Maria no peito e repete o que disse a um amigo em Du Bac, diante da muralha de plaquinhas de agradecimentos: "Isso tudo é coincidência?"

Findada a reza, a tentação é espiar mais. Nas salas de evangelização, vejo TVs 29" ao lado das imagens de São Vicente de Paulo. E acho divertida a estátua de Ca­­tarina Labouré: noto que traja chapéu corneta, idêntico ao de Sally Field na série A noviça voadora. A dez palmos da rua, bato a mão no bolso – as medalhas estão lá. A graça que peço não posso contar.

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