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 | Arte: Felipe Lima
| Foto: Arte: Felipe Lima

"Mamãããe, mamãããe... o avental todo sujo de ooooo-ovo..." Impossível não lembrar a infância querida, que os anos não trazem mais. Fazíamos cover dos Canarinhos de Petrópolis para entoar essa irresistível canção de Herivelto Martins. Tia Enil nos ensinava a fazer mímica na hora da frase "eu te lembro com o chinelo na mão", a mais divertida. A festa era no pátio, regada a lágrimas e a cartões de cartolina verde soltando cascatas de purpurina.

Não era o único ritual materno da escola. Mães apareciam vez em quando para falar com a professora. Ou eram chamadas para um pito. Ou vinham tirar satisfação. Parava tudo. A molecada ouriçada. Nunca vou esquecer a visita da mãe do coleguinha que aqui vou batizar de Mário, para evitar que me chame para a briga, tantas décadas depois. Foi a primeira mãe moderna que conheci. Não fazia o tipo frita-ovos nem era roliça, como as outras. Trajava negro, era bela e usava uma longa trança caindo no ombro, muito tempo antes da sra. Temer lançar moda.

Aprendíamos o pá-pé-pi-pó-pum [risos] quando ela surgiu na porta. "É a mãe do Mário", denunciou alguém, baixinho, mas já era tarde. O pecado estava cometido: os guris todos tinham caído de amores pela mulher. Que nos furassem os olhos. Se contássemos em casa, ai, "Havaianas, as legítimas", tocariam o "Hino Nacional" na nossa bunda, como se fôssemos um bumbo da fanfarra. Só hoje confesso aqui o meu crime. "Desculpe Mário, foi mau..."

E pensar que fui fazer lição de casa com você só para ver a tua mãe. Como esquecer. Ela me serviu sucrilhos, iguaria que eu só conhecia dos seriados americanos. Depois daquele dia, flocos de milho se tornaram a minha paixão definitiva. O coração tem dessas coisas. "A mãe vai bem?"

O bullying também começava pela mãe. "Seu filho da mãe", gritava um desalmado no recreio. Pronto: estava armado o berreiro, mesmo sendo esse xingamento um bocado obscuro para uma piazada ainda às voltas com a tabuada "do dois". Filho só podia ser da mãe, né não? Só fui entender do que se tratava já grandinho, ao ouvir o palavrão numa versão mais sociológica – "seu filho de uma boa mãe brasileira". Hoje ofensa é chamar a mãe de gorda, e na internet. Evoluímos.

Vizinhos de muro também adoravam apelar para a mais sacrossanta das instituições, gritando: "Tua mãe não te deu educação?" ou "Coitada, tão boa, ter um filho como você". A sentença quase sempre funcionava. Certa feita, um conhecido meu, muito divertido, bateu na janela de um carro no qual um casal de namorados ia às vias de fato e perguntou à moça: "Vossa mãe sabe que a senhorita está aqui?". Digamos que foi muito educativo.

No Paraná de imigrantes, a imagem da mãe étnica justifica os arroubos das nossas matriarcas. A mãe judia diz que vai se matar. A mãe libanesa, que vai morrer. A mãe italiana sobe na mesa. A mãe alemã esconde o strüdel. A mãe polaca é a mais brava. A mãe ucraniana ameaça quebrar as pêssankas sagradas. A mãe negra cancela a feijoada. A mãe lusitana chora um oceano. Mas suspeito que elas estejam sendo substituídas por um genérico – a mãe que trabalha fora.

É um tipo sempre com pressa. Para estar o mais rápido possível junto das crias, não nos dá a vez no trânsito ou nos atropela, impaciente, com seu carrinho de supermercado, quando nos flagra, apalermados diante de tantas marcas de azeite para escolher.

Imagino que ainda hoje muitas fogem do serviço e batem na porta da sala de aula, levando os pequeninos à palpitação. Nessas horas, temos a certeza de que não estamos sós. Por isso, um dos três pedidos que fazemos ao entrar numa igreja vai ser sempre para elas. Rogamos, infantis, para que sejam imortais, mesmo sabendo que não seremos atendidos. Não custa nada tentar. Mães são impossíveis, bem sabemos.

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