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 | Foto: Cesar Machado/Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Cesar Machado/Arte: Felipe Lima

O economista Everton de Andrade, 29 anos, aprendeu a rezar como a maior parte das pessoas – com a mãe sentada a seu lado na cama, fazendo-o repetir a oração ao anjo da guarda. "Santo Anjo do Senhor..." Decorou essa e todas as outras, tornando-se um notável cruzadinho. Gostou tanto que se fez catequista na Paróquia São Francisco de Assis, no bairro Xaxim. Tinha só 14 anos. "Vai ser padre, hein?", ouvia a turma dizer, crente de que havia um chamado por trás daquele menino prodígio com cara de santo eslavo.

Por uns bons tempos, bem que acreditou ter sido alvo de algum sopro do Altíssimo. Chegou mesmo a bater na porta dos jesuítas. Enquanto não se decidia, se exercitava. Foi assim que acabou inscrito num daqueles cursos anunciados ao microfone, no fim da missa – "Oficina de Oração e Vida, dia tal..." Fez, aprovou, mas mal supunha que teria de atravessar o Mar Vermelho antes de conquistar um título que a maioria não imagina nem em sonhos, o de "professor de reza".

Os primeiros ecos divinos para Everton vieram na forma de beneplácitos instantâneos. Certa vez, sua família precisava vender urgentemente uma moradia de frente para o maltratado Canal Belém, no Uberaba. Impossível, mas ele pediu uma forcinha soberana. O negócio foi fechado. Noutra ocasião, problemas de saúde insistiam em atrasar seus planos juvenis – "Me tire dessa", implorou aos céus. Graça alcançada.

Já na faculdade, entendeu que esse toma-lá-dá-cá com a divindade era uma transação legítima, mas um estágio primário da fé. Hora de crescer. Fez nova oficina, tornando-se guia, título dado aos aptos a repassar para outros as táticas de oração que começam na época dos anacoretas, no mínimo. Orientou um grupo na Paróquia Nossa Senhora das Vitórias, no Boqueirão, outro na casa de uma tia. E desde ontem reparte seus saberes na Capela da Reitoria da UFPR, a quem interessar possa, sempre às quintas.

A Oficina de Oração e Vida figura entre aquelas iniciativas que a gente não sabe que existem, mas, quando descobre, fica com a tentação de ter patenteado. Surgiu em 1984, com o capuchinho espanhol Ignácio Larrañaga (morto ano passado), dono de longas barbas, pregador de retiros e escritor da área de espiritualidade. Muitos dos que sofrem de aridez espiritual recorrem aos seus conselhos, o que inclui dançar e cantar, se preciso for, para tirar a alma da secura.

Larrañaga se propôs a repartir o que parecia divisível só naqueles antigos filmes de kung fu – nos quais o mestre destilava em doses homeopáticas os tortuosos mistérios da vida interior. Começou pelo começo – fez uma espécie de tradução contemporânea das práticas de meditação que pareciam restritas aos claustros. Não mostra como levitar – privilégio de uns poucos –, mas revela que repetir palavras à exaustão ou passar um longo tempo olhando para uma paisagem, por exemplo, podem levar à concentração. Ao todo, descreveu 13 técnicas de oração. A mais radical é o "deserto" – um longo isolamento. A mais divertida, o "holocausto", que consiste em escrever os problemas que nos afligem e depois queimá-los. Fogueira. Nem o magnífico O jogo das contas de vidro, de Hermann Hesse, conseguiu algo igual.

Cá entre nós, o frei deve ter batalhado um bocado para colocar ao rés do chão o ora et labora, a destreza de místicos como João da Cruz, a teatralidade de Inácio de Loyola, o amor profano de Santa Terezinha. Sem falar no legado de milhares de anônimos que dedicaram seus dias a falar com Deus, sem poupar esforços para conseguir meditar – incluindo os pobres joelhos.

O resultado não pede nenhum martírio – bastam 30 minutos por dia e um lugar escolhido a dedo. Larrañaga é como um Marcel Duchamp da vida espiritual: deixou lavrado que todo mundo pode rezar como gente grande, o que inclui os ansiosos que roem unhas, os dados a faniquitos, os que demonstram espírito de porco quando estão no trânsito – os que têm pânico de ficar um minuto sozinhos, que seja.

Neste momento, em algum canto, alguém está ministrando uma oficina. Há 17 mil guias no mundo, sendo 5 mil no Brasil, 542 no Paraná, 140 em Curitiba e região. O Everton. A tomar por ele, falar sobre rezar pode figurar na lista das dez boas conversas que raramente nos permitimos. Antes que me esqueça: esse cara tem dicas e tanto sobre lugares de recolhimento na Curitiba de 1,7 milhão de habitantes – sabe de capelinhas que pouca gente conhece. Da sombra de árvores num parque qualquer, por que não?

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