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Se na infância perguntassem ao cobrador de ônibus Jonas Gomes da Silva, 42 anos, o que gostaria de ser quando crescesse, responderia à queima-roupa: "Diplomata". Ele não faz a mínima de onde tirou essa ideia, afinal, ao seu redor, não via nada que dissesse respeito ao Instituto Rio Branco. Nascera em família pobre da pequena Centenário do Sul, no Norte do Paraná, bem longe do Itamaraty.

Da ilusão da meninice, o pouco que sobrou foi o que lhe disseram sobre diplomatas – que viajam muito, falam línguas, leem pra caramba e promovem o diálogo entre os povos, roteiro que Jonas vem seguindo como um tratado. A bordo da linha Detran-Vicente Machado, em Curitiba, viaja 80 quilômetros por dia. A cada jornada, toma contato com pelo menos 500 pessoas, de todas as etnias, credos e condições sociais. Estuda italiano. E lê, lê muito e lê tanto que perdeu as contas das vezes que questionaram de onde tira tantas informações.

O fato é que há três anos um passageiro lhe emprestou o livro O futuro da humanidade, de Augusto Cury, autor que provoca urticárias nos intelectuais, mas que em Jonas funcionou como um oráculo. A trama explora o encontro de um mendigo sábio e de um futuro médico atormentado pelo anonimato dos cadáveres usados nas aulas de Anatomia. É o mendigo, também ele candidato ao mármore frio do laboratório, quem revela ao estudante a vã ciência dos que desconhecem a vida dos outros.

Foi depois dessa leitura que o cobrador decidiu sair das sombras e conversar com os doutos. Primeiro passo: inscreveu-se no vestibular da UFPR. A notícia de que aquele magrelo de 57 quilos queria entrar para a universidade caiu na orelha dos passageiros como se fosse o novo aumento da tarifa. Virou viral. Um freguês lhe emprestou apostilas; outro, os livros indicados, outros tantos distribuíram tapas nas costas, pois a UFPR, sabe-se, é para poucos.

Ver o nome na lista dos aprovados em Filosofia se tornou um dia para não mais esquecer. "Confesso que chorei", conta, sobre sua entrega ao engano dos sentidos. Mas por que diabos Filosofia? Foi o que Jonas também se perguntou, até chegar a uma resposta algo mística: "Porque a filosofia estava guardada em mim". É seu silogismo perfeito.

Do momento em que migrou para Curitiba até a primeira aula na faculdade, em 2010, o cobrador tinha listado em segredo nada menos do que 94 livros de filosofia. Dentre esses, vários de Nietzsche, que cita com fluidez de fazer corar os bacharéis; e chapas como Tomás de Aquino e Descartes, pensadores que disseca com um português impecável e fala pausada de embaixador. Mas curioso mesmo é vê-lo palestrar sobre os pré-socráticos, em especial o filósofo Diógenes, com quem tricota amiúde.

Para quem não se lembra, Diógenes é aquele maluco beleza que foi se livrando de todos os bens materiais para poder provar da liberdade, até sobrar ele, um barril – que lhe servia de roupa do corpo – e uma lanterna, com a qual procurava justos pela pólis. "Tem a ver comigo", diverte-se o homem cuja única ambição é permanecer leve e solto para pensar. O ônibus é o seu barril. Entre o Capão da Imbuia e o Batel sua lanterna imaginária identifica gente como a escritora Alzeli Bassetti, uma das muitas com quem trava colóquios peripatéticos.

Há os que acham estranho, é claro. "Ô-ô, você não vai entender nada do que está escrito aí, meu", disse-lhe um ao vê-lo com um diálogo de Platão numa mão e o troco na outra. Jonas abriu o sorriso de uma centena de dentes e aproveitou a deixa para exercitar a diplomacia, e, como não, a hermenêutica. A roleta, garante, é uma metáfora do ato e potência aristotélico. Dali, vê as pessoas, estáticas, experimentando o movimento. "É uma sensação de hipnose, já notou?", provoca, deixando-nos em caraminholas, doidos para reencontrar o sentido das coisas. Que venha o próximo busão.

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