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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Acabou de garoar. O primeiro casal ocupa um banco perto do meu. São muito jovens, e sentam sobre sacolas plásticas. Ele está de bermuda, camiseta e chinelos de dedo. Dá o braço a uma moça ruiva. Maquiada, ela veste um terninho preto e calça sapatos de salto. Inadequados, mas bonitos. É claro que se vestiram para eventos diferentes.

A moça traz no colo outra sacola. Dela tira um pote de mel, comprado há pouco, na feira de orgânicos. Ela pergunta ao rapaz que tipo de mel ele prefere, e ele sorri, diz que nem sabia que isso existia, tipos de mel. Ela diz que ama mel de laranjeira e entrega o pote a ele. Pede ao rapaz que apenas observe a luz através do mel. Ele ergue o pote e os dois o examinam, em silêncio. O mel tem a mesma cor dos cabelos dela, será que ele notou?

O segundo casal vem chegando. Também são muito jovens, mas trazem um menino a tiracolo. Formais, os três estão vestidos para a mesma ocasião. Decerto vão ao culto. Chegaram cedo e decidiram matar meia hora no parquinho do Passeio Público. Como os brinquedos ainda estão molhados, demoram a achar um lugar limpo, onde possam largar o menino.

O mel tem a mesma cor dos cabelos dela, será que ele notou?

Optam pelo balanço. Um de seus assentos já secou. O menino se acomoda sobre ele e se agarra às correntes. O pai empurra o filho pelas costas, bem forte, e faz o balanço gemer. O menino sorri, emocionado, mas não fala, não grita, não soa. Talvez seja mudo.

A mãe se posiciona diante do balanço. Tira um celular da bolsa. Quer registrar a alegria do filho, que sobe e desce, sobe e desce. Quer fotografá-lo no alto, anuncia, e assume uma postura profissional. Capricha no enquadramento, mas desiste, algo a desconcentra. É a imagem do pai atrás do filho, feito um encosto.

Ela pede ao marido que empurre a criança e saia de cena. Sem ele, a foto ficará melhor. O marido se aborrece, diz que não sai, faça logo essa foto. Ela diz que não fará foto nenhuma, não com ele ao fundo, quero fotografar o meu filho, e não você.

O pai embolsa as mãos e abandona no ar o menino, que vai perdendo o impulso. O balanço para de gemer, e o filho, de sorrir. Ele vê o pai ir embora, chutando a areia úmida. A mãe se enfurece, ah, não, vai começar de novo? Mas o cara não se abala. Cruza a ponte pênsil sobre os pedalinhos e vai se exilar na Ilha da Ilusão.

O primeiro casal nem liga. Ainda estão se conhecendo, já falaram sobre mel, vinhos e gatos. A moça, agora, quer saber se o rapaz sabe fazer pão. Ele diz que nunca tentou, e ela promete ensiná-lo. Subitamente preocupada, pergunta se ele, por acaso, não seria alérgico a glúten. Ele diz que não faz ideia, e ela diz que não importa. Ambos riem e se beijam, e logo vejo que não se trata de um primeiro beijo.

Saíram juntos na noite anterior, é claro. Era sexta-feira. Apresentados por amigos comuns, dançaram, beberam e fugiram do grupo. Ou o grupo é que foi se desintegrando, na friagem da madrugada. Acabaram os dois na quitinete dele, na Carlos Cavalcanti. O sábado os surpreendeu ainda acordados, e vieram passear na garoa. Ele trocou de roupa, pôs os chinelos. Sem opções, ela continuou linda.

Assim como o menino no balanço, que permanece mudo, agarrado às suas correntes.

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