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Bem... "ói nóis aqui tra vez!" Marleth sai de férias e eu entro em cena sem cerimônia e sem pedir licença. Espero que isso vire uma tradição de início de ano.

Há uns dois anos, numa conversa por telefone com o jornalista Irinêo Baptista Netto, já por ocasião da chamada "Primavera Árabe", comentei com ele que gostaria de ler um artigo que mostrasse como a imprensa faz o uso de termos como "terrorista", "rebelde" e "revolucionário" para apontar os grupos nos embates. A sugestão virou a reportagem "Guerra das Palavras", na Gazeta de 16 de outubro de 2011. Como antagonista do termo "revolucionário" – aquele que luta por um ideal –, o rebelde pode parecer um deslumbrado, um inocente útil. Mas os dois termos, confrontados com o rótulo de terrorista, identificam ações muito mais positivas.

Ano passado, dando aula para alunos que almejam concurso público, pedi que alguém definisse "terrorista". Uma senhora levantou a mão e respondeu "aqueles que usam a religião para fazer ataques". Pensei: que estrago a imprensa, ou a falta de informação, ou uma aula mal preparada podem fazer!

O conceito realmente não é o mais fácil de definir. Mas a utilização dessa ou daquela palavra é uma opção ideológica. Quando se chama as Farc de grupo terrorista, já se pressupõe: sou contra. Não adianta vir depois com "mas veja bem, eles são o exército dos pobres colombianos". Não tem "veja bem". Terrorista é terrorista. Sequestra, mata, coloca bomba em escola. Quer defender? Chama de revolucionário, rebelde, guerrilheiro, "cor de rosa", "paz e amor".

Sempre me lembro de um amigo do meu pai na busca de uma definição para uma criança entender "quando eu e seu pai éramos jovens e defendíamos a criação de um Estado para nós, judeus, éramos chamados de terroristas. Hoje os terroristas não são mais os ‘Cohen’. São os palestinos que querem a mesma coisa pela qual lutávamos". Terrorista era o Arafat, na época da definição? Pois bem, também era o Sharon. Aquilo que o poder quer que seja chamado de terrorista o é.

Mas os termos com os quais eu mais implico são "radical" e "moderado". O que vem a ser radical? Aquele que não é moderado. E o que vem a ser moderado? Adivinha! Sem contar as tentativas de se explicar os termos com outros termos. Ah... radical é o xiita, o que vai até o fim. Então, por analogia, posso dizer que o moderado é o sunita, o que vai até o meio? Hello! Bin Laden era sunita.

Com essa minha infeliz memória de ferro – abençoados aqueles que se esquecem das coisas –, lembro quando, no pós-Revolução Nicaraguense, em julho de 1979 (era só do que se falava lá em casa depois da Revolução Iraniana, no janeiro anterior), a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) formou um Governo de Reconstrução Nacional composto por ela e por demais opositores do ditador Anastasio Somoza. Os jornais de época diziam "FSLN uniu-se à oposição moderada para formar um GRN". Eu já era implicante. Pesquisei sobre os sandinistas e a ditadura derrubada e tirei minhas conclusões. A FSLN era radical. Pegou em armas e tirou do poder uma família que governava o país, como se ali fosse uma monarquia, desde 1936. E os moderados eram os (impublicável) que só criticavam, mas na hora do "pega pra capar" ficaram na miúda, só na espreita, pra ver se sobravam alguns carguinhos no novo governo. Criança que era, decidi que estaria sempre ao lado dos radicais.

E a imagem do radical, qual seria? Em 2013, o grupo político do até então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, perdeu as eleições para o grupo do clérigo (membro do Conselho Supremo da Segurança Nacional) Hassan Rohani. Busquem a imagem dos dois, Ahmadinejad e Rohani. Quem é o radical? Quem é o moderado? Ou quem é o conservador? Quem é o progressista? Ai... sempre os adjetivos...

Ahmadinejad foi o primeiro presidente não clérigo em 24 anos. Usava terno e gravata, vestes ocidentais, apesar de ser um fervoroso religioso. Nos seus dois mandatos atacou Israel verbalmente diversas vezes – disse que o país devia ser varrido do mapa –, pôs em dúvida a existência do Holocausto, chamou os EUA de satã, assim como o líder da Revolução Islâmica, o aiatolá Khomeini, um radical xiita (para muitos um pleonasmo). Rohani, com suas vestes clericais, sempre foi oposição ao ex-presidente. Prometeu para o Irã uma política internacional menos agressiva e, mesmo antes da vitória eleitoral, já articulava com os EUA um acordo nuclear que tira dos norte-americanos a eficácia das sanções internacionais impostas por eles ao Irã.

Quem está radicalizando? Ahmadinejad, que repetiu por oito anos o discurso popular que tirou do poder o aliado norte-americano Reza Pahlevi? Ou Rohani, que aposta na conciliação e muda a lógica política do Oriente Médio aumentando a importância regional iraniana e, com isso, reduzindo a necessidade de os EUA serem tão fieis à monarquia árabe saudita?

Gandhi foi radical por jamais ter apoiado a independência da Índia nos moldes em que ela foi assinada por Nehru? Como ele previu, indianos e paquistaneses se engalfinham até hoje. E Mandela? Para o Partido Nacional (dos fundadores do Apartheid), era um radical. Afinal, ousou ser um negro que foi para a universidade e, mesmo assim, era contra o regime que segregava seu povo. Pior, fez crescer o Congresso Nacional Africano e inventou o lema "um homem, um voto", nitidamente um slogan subversivo. Ficou preso por 25 anos por crime de alta traição. Mas Mandela também foi chamado de moderado. Afinal, deu a mão ao presidente Frederik de Klerk, líder do partido algoz. Quando esse aperto de mão aconteceu no fim dos anos 80, eu, radical, sonhava em ver Mandela no ringue – como Muhammad Ali e não como Anderson Silva –, dando um cruzado de esquerda na cara de De Klerk. Agora, moderada, vejo o quanto aquele aperto de mão foi a opção mais corajosa.

Mais do que consciência política, o cidadão deve buscar a consciência e a coerência linguística. No mínimo para saber de que lado está.

Luciana Worms é advogada, radialista, professora e autora de Brasil século XX – Ao pé da letra da canção popular, vencedor do Prêmio Jabuti

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