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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Em 450 quilômetros percorridos na rodovia, contei seis andarilhos. Não eram mendigos parados à beira do caminho, mas caminhantes, daqueles que levam uma pequena bagagem. Andam sem pressa, carregam mochilas. O rosto, que eu só vislumbro de passagem, é sério. Não são os caminhantes de outros séculos, que encontramos nos livros, que iam de uma cidade a outra passo a passo porque o transporte era exclusividade dos muito ricos. Esses que vejo nas estradas do Paraná caminham como modo de vida.

O andarilho sem destino é um caso extremo. Ele caminha não para chegar a um destino, mas para estar em lugar algum. Ele procura o "não lugar", a transição permanente. Porque não tem ou não sabe o que fazer.

Será que existe um sujeito no mundo que pensa mais que o andarilho? Deve ser por isso que andarilhos mantêm uma expressão melancólica. Têm tempo demais para pensar e não dividem com ninguém seus pensamentos. É o oposto do comportamento padrão 2015: vem um pensamento qualquer à cabeça e posta-se na internet; vê-se uma imagem e posta-se a foto na internet; algo acontece (tão banal quanto cortar o cabelo) e posta-se na internet. Nada é mantido para si, para reflexão ou maturação, nem por 24 horas. Porque em 24 horas tudo pode depurar e aí se percebe que aquilo não precisa ser compartilhado com o mundo. É tolo.

Quase nada resiste a uma depuração, por pequena que seja. Mas se corre a contar tudo para o mundo. Small talk, como dizem os ingleses. Conversinhas para passar o tempo, diremos nós. Tudo isso para evitar o silêncio nas nossas cabeças, aquele silêncio que acompanha os caminhantes por horas seguidas.

Deve ser por isso que aqueles que fazem longas caminhadas, daquelas que se prolongam por dias seguidos, dizem que voltam renovados, cérebros esvaziados, reorganizados. Eles eliminam o barulho da interação permanente com outras pessoas. Interagir permanentemente, especialmente na velocidade que a tecnologia permite hoje, é insano. Não dá para se expressar tantas vezes sem dizer besteira ou tolices. É como um artista que exibisse ao mundo todos os seus rascunhos, seus rabiscos. E o "público" para esses rascunhos e rabiscos, aqueles que estão ali só lendo e vendo as publicações dos amigos e conhecidos, têm seus cérebros inundados por tanta informação. Como se já não tivéssemos informação demais.

Ao fugir de toda interação humana que possa se transformar em cobranças, os andarilhos se isolam em um nível doentio. Sem troca, nossa cabeça transborda. Mas doentio também é o outro extremo, o da necessidade de interação permanente, ou conexão permanente com a "turma" no ritmo que a tecnologia permite. Até há pouco tempo esse ritmo era limitado pelo tempo e pelo espaço. As cartas iam e vinham em intervalos de alguns dias, os telefonemas eram caros, as fotos demoravam para ser copiadas e não havia como mandá-las para outra pessoa a não ser que fosse dentro de um envelope selado. Havia intervalos contra os quais não podíamos fazer nada. Os intervalos foram eliminados. A comunicação é permanente e incessante. Mas não ficamos mais inteligentes. Continuamos os mesmos, só que mais tagarelas.

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