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Foi um daqueles casos em que você caminha para chegar a um destino e, por acaso, encontra outro, que buscava há muito tempo. Eu lia um livro sobre a brasileira Aracy de Carvalho, a funcionária do Itamaraty que ajudou judeus alemães a obterem visto para imigrarem para o Brasil às vésperas da Segunda Guerra Mundial, e encontrei uma reflexão interessante sobre um tema que me causa frustração. Por que as cidades brasileiras se livram de seu passado arquitetônico, substituindo as antigas edificações por novidades, que por sua vez logo ficarão ultrapassadas e serão substituídas pela última novidade? Por que achamos difícil conviver com prédios ou casas antigos, por mais bonitos que eles sejam?

Muitos aspectos dessa gana novidadeira me incomodam: o desperdício de recursos nesse ciclo construir-destruir-reconstruir; a falta de personalidade das ruas sempre renovadas segundo o último modismo, que não contam a história da cidade e de seus habitantes; o desaparecimento de projetos arquitetônicos importantes, cuja beleza sobrevivia muito bem ao tempo ainda que levassem um estilo do início do século passado.

A autora do livro sobre Aracy de Carvalho, a historiadora Monica Raisa Schpun, ao falar sobre o Brasil que os judeus alemães encontravam ao chegar, avalia que contava a favor deles o contexto local "regido por um esforço coletivo em desviar os olhares do passado, sinal de atraso, daquilo que se devia superar, guiando-os do presente para o futuro". Ou seja, para os brasileiros da década de 1930, o passado era algo a ser apagado para que as novidades emergissem. O Brasil de 1930 queria novidades, assim como o Brasil de 2011.

Os países jovens, como o Brasil e a Argentina, são novidadeiros, já que está no novo a sua força. Ainda assim, do ponto de vista da arquitetura das cidades, faz sentido que edificações bonitas e históricas se imponham e sobrevivam em meio à inovação e à modernidade. Esse é o trunfo de Buenos Aires, para onde voam milhares de brasileiros nos feriados em busca da aparência europeia que a Capital Federal dos argentinos oferece.

Em Curitiba, São Paulo, Recife ou Rio de Janeiro, os prédios mais velhos sobrevivem em conjuntos urbanos tratados como museus a céu aberto (os "centros históricos"), confinados a espaços limitados que o poder público tomba. Eles sobrevivem como índios em reservas demarcadas. É uma proteção forçada, já que a sociedade em si não se importa em preservá-los. Muito pelo contrário: podendo derrubar os prédios antigos, a maioria prefere fazê-lo.

Monica Raisa Schpun cita outro autor, o sociólogo Bernardo Sorj, uruguaio radicado no Rio de Janeiro. Diz Sorj: "O mito original do Brasil que encontra os problemas do país no passado, na escravidão e na colonização lusitana, e que acredita que o paraíso não foi perdido, mas que se encontra no futuro, produz uma visão totalmente diferente dos valores da mudança e do estrangeiro."

No Brasil, raciocina Sorj, "é o passado que se trata de erradicar, para que a nação encontre seu potencial". Não temos orgulho do nosso passado, o que nos impele a sempre buscar o novo, a reconstruir. No caso da arquitetura, esse "reconstruir" é literal. As ruas e avenidas das grandes cidades brasileiras mudam ciclicamente, talvez a cada 40 ou 50 anos. Os argentinos (ou os portenhos, em particular) ao contrário, viram o auge econômico de seu país acontecer no início do século 20, quando o capital abundante possibilitou o embelezamento de Buenos Aires e bons investimentos em educação, que fizeram o país sonhar com um futuro brilhante. Faz sentido, portanto, que eles prezem esse passado e cuidem do que restou dele.

Ou seja, ainda precisamos de um presente do qual nos orgulhemos para que surja a vontade de preservar, de eternizar as coisas boas. Até que esse presente seja conquistado, não ficará pedra sobre pedra.

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