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Edith Bouvier Beale era uma moça chique, alegre e inteligente. Meio maluquinha, talvez. Mas digo em favor dela que muita gente interessante entra na categoria dos maluquinhos. Edith era uma acumuladora.

Há dois tipos de acumuladores: aqueles que guardam compulsivamente objetos sem valor na expectativa de que venham servir algum dia e aqueles que nunca estão satisfeitos e compram aquilo de que não precisam. Do primeiro grupo se diz que são doentes, que sofrem da s índrome de Diógenes. Do segundo, que são consumistas. Consumistas não são considerados doentes na nossa sociedade, que gira em torno do consumismo. Mas o primeiro grupo é malvisto: a Saúde Pública vive no pé deles. A ligação entre os dois grupos é o próprio Diógenes.

O grego Diógenes tinha umas ideias esquisitas. Pregava contra o amor (segundo ele, um apego doentio). Mas também defendia ideias bem razoáveis (a felicidade do ser humano não deve depender de luxos e prazeres). O raciocínio dele é mais ou menos assim: para ser autossuficiente, você não pode ser consumista, porque aí sua alegria depende de fornecedores e dos preços cobrados por eles. Além do mais, o apego aos bens materiais desvia a atenção do sujeito das coisas realmente importantes. Bem se vê que Diógenes abominaria os consumistas de hoje.

Pois não é que batizaram de síndrome de Diógenes um transtorno psiquiátrico que se caracteriza pela falta de higiene, pelo isolamento social e pela mania de acumular objetos? Bem o Diógenes, que não acumulava nada. Ele vivia como mendigo e sua casa era um barril. Vem daí o costume de caracterizar uma pessoa desprendida como alguém que vive em um barril. Lembra-se do gato Manda-Chuva? Do Chaves, daquela série mexicana? Dormem dentro de um barril, são discípulos de Diógenes.

O Collyer Brothers Park, um diminuto jardim na Quinta Avenida, em Nova York, presta homenagem a dois irmãos de família tradicional novaiorquina, ambos ex-alunos da Universidade de Columbia, que se trancaram na grande casa da família, acumulando todo tipo de objeto que encontravam. Viraram lenda e renderam páginas e páginas do New York Times. Aliás, um deles morreu soterrado por pilhas de jornais velhos. O outro, que estava fraco e doente, ficou sem a assistência e morreu de desidratação e desnutrição. Me dói dizer isto, mas esta parece ser uma característica comum entre os acumuladores: uma tendência para guardar jornais. Os acumuladores também costumam ter gatos rondando suas velharias. Eu gosto de jornais e de gatos...

Os Collyer viraram assunto de livros e filmes, o mais recente deles sendo Homer and Langley, de E. L. Doctorow.

Edith Bouvier Beale também era novaiorquina e milionária. Ela e a mãe passaram décadas isoladas em uma casa no chiquíssimo balneário de Hamptons. A mãe, frustrada e deprimida, manteve a filha ao seu lado e as duas ficaram cada vez mais excêntricas. A casa em ruínas lotou de objetos inúteis, já que elas não jogavam nada fora. Como as duas eram parentas da então primeira-dama, Jacqueline Kennedy, o caso chamou muito atenção. Virou documentário, ópera e filme, todos com o título Grey Gardens. No filme, são interpretadas por Jessica Lange e Drew Barrymore, esta última no único papel realmente bom de sua carreira.

Os acumuladores são inofensivos, mais até que os consumistas. Mas chamam atenção e são repelidos pela sociedade, talvez por causa da sujeira, talvez pelo lado maluco. Por isso, leitor que eu tanto prezo, se estava pensando em arrancar esta página e guardá-la, agradeço a deferência, mas sugiro que desista logo da ideia e saia para dar uma volta. Em outras palavras, fuja do Diógenes.

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