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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Havia em casa um fascículo de uma coleção da Abril comprado em uma banca de jornais para ajudar em trabalhos escolares. Trazia uma reprodução colorida do quadro "Tiradentes Es­­quartejado", de Pedro Américo. Talvez, você, leitor, já tenha visto uma reprodução da obra. É de revirar o estômago: cabeça, mem­­bros e tronco separados, expostos sobre o patíbulo. Ao fundo, uma paisagem mineira. Nós, crianças, voltávamos sempre àquela página, que alimentava nossa admiração por Tiradentes.

Quando meus filhos estudaram a Inconfidência Mineira, procurei a reprodução da obra de Pedro Américo. Assim, o quadro provocou um susto em mais uma geração de brasileiros. Um dos meninos fez um trabalho sobre os inconfidentes e, após escrever a conclusão, decidiu desenhar um super-herói com uma longa capa pendurada nas costas ao estilo Superman. Ao lado, a legenda: "Tiradentes, um herói brasileiro." Temi que a professora não aceitasse aquela expressão infantil de admiração por Joaquim José. Mas ela perdoou a liberdade interpretativa e deu um dez ao trabalho.

Este ano, a Inconfidência Mi­­neira reapareceu nas aulas de his­­tória e os meninos me contaram a novidade que aprenderam. Que Tiradentes foi o único inconfidente enforcado porque era pobre. Não me lembro de ter ouvido isso no grupo escolar. Por outro lado, tenho a impressão de que ele era mais militar do que é hoje em dia – sempre se explicava que Tiradentes era alferes do Exército brasileiro, ou seja, te­­nente. Não é a única diferença que noto nos livros escolares que me chegam às mãos. Estou enganada ou a história está mudando? Consulto o professor Wilson Maske, que leciona na PUCPR e na UniCuritiba. Ele me explica que há modismos nos estudos de história, que às vezes um enfoque ou uma área são privilegiados e outros são considerados "nada a ver". No caso dos livros didáticos brasileiros, a inclinação esquerdista de alguns autores ficou latente durante os governos militares, para transbordar nos últimos anos em obras atuais (algumas boas e outras de péssima qualidade). Tiradentes, me conta o professor Wilson, ficou propositalmente esquecido durante o período colonial e assim permaneceu durante o império. Com a proclamação da República, por militares, foi redescoberto e elevado a categoria de herói nacional, de onde não saiu mais. Ao longo dos anos, e conforme as convicções de quem escreve o material didático, destaca-se a sua patente (co­­mo no meu tempo de escola, entre os governos Geisel e Fi­­gueiredo) ou a sua origem humilde (em tempos de presidente-metalúrgico). Meu Tiradentes era um tenente patriota. O dos meus filhos é um herói proletário. Variações que não deveriam existir, diz o professor, com o que tenho de concordar.

Até o quadro de Pedro Améri­­co é vítima de modismos mais – ou menos – inocentes. A historiadora Maraliz Vieira Christo, da Universidade Federal de Juiz de Fora, fez sua tese de doutorado sobre o quadro. Ela conta que "Tiradentes Esquartejado" foi pintado em 1893, em Florença, onde Pedro Américo vivia. Quan­­do ele, amigo pessoal do imperador Pedro II, expôs a obra no Rio, a reação foi ruim. O quadro foi parar em um museu de Juiz de Fora, onde permanece. Du­­rante esses quase 120 anos, só saiu do esquecimento duas vezes: quando a editora Abril publicou os tais fascículos sobre vultos da his­­tória do Brasil e quando foi exposto em São Paulo, em 2000, na mostra Brasil +500. Foi lá que eu o vi e garanto que é muito mais impressionante pessoalmente. Pena que o quadro não circule pelo Brasil, assustando crianças e despertando curiosidade. Melhor ter pesadelos e curiosidade que padecer de tédio por não enxergar a riqueza do mundo que nos cerca.

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