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Há quase dez anos, José Saramago esteve em Curitiba. Foi durante uma viagem para divulgação do livro A Caverna, que estava sendo lançado no Brasil. Em um fim de tarde, ele falou no Centro de Convenções de Curi­­tiba, ali na Barão do Rio Branco. Estive lá e, se me lembro pouco do que ele disse, tenho clara a lembrança do tom franco e contestatório do português. Principal­­mente, guardo o encantamento com a situação que presenciei: um escritor, um homem que vivia de construir mundos imaginários e de fabular sobre a realidade, sendo ovacionado por uma multidão.

Eu não era uma leitora entusiasmada de Saramago e, portanto, não foi por ter esse tipo de conexão com ele que a situação me impressionou. Impressionou-me ver um escritor, ao entrar em um auditório, ser aplaudido de pé pela plateia, que sorria maravilhada por estar diante dele. Foi uma celebração ao lado mágico da vida: o escritor não constrói pontes nem cura doenças; não cria leis para regular nossos direitos nem ganha copas do mundo. Ele expressa o lado fantasioso da humanidade, alimenta nossa capacidade de nos deleitarmos com a imaginação e de buscar sentido para a vida através de projeções em figuras imaginárias. Nosso lado criança, talvez? É isso que o escritor faz e fazendo isso nos dá grandes momentos de prazer. E queremos prazer. Precisa­­mos de momentos de prazer para não sermos pessoas pela metade. Mas, convenhamos, em um mundo regido pelo dinheiro, a fantasia não é prioridade.

Aí aparece um escritor, um homem que fantasia, e é aplaudido de pé.

Quantas pessoas nós aplaudiríamos em pé? Poucas, não é? Ter ídolos parece ser uma exclusividade de adolescentes. Depois que crescemos, ficamos ressabiados: quando uma figura pública nos impressiona, esperamos que ela, a qualquer momento, nos decepcione. E provavelmente, se prestarmos atenção, ela acabará nos decepcionando mesmo.

Excluo do raciocínio políticos e governantes eleitos. Esses parecem viver em um mundo à parte, em que encontram justificativa para tudo que lhes apetece fazer. E os outros? De todos os outros tendemos a querer, no mínimo, a santidade. Não basta o sujeito fazer filmes inesquecíveis. Não basta escrever livros maravilhosos. Não basta jogar o melhor futebol do mundo ou cantar as canções que embalam nossas alegrias e tristezas. Tem de ser santo.

É ingenuidade nossa esperar biografia imaculada de quem admiramos. Ou pode ser um sinal de insegurança: digo que sou fã do fulano e depois me cobram o fato de ele ter feito isso ou aquilo (como se admirar um trabalho de alguém fosse sinônimo de aprovar tudo que ele faz).

Não escrevo isso pensando no Saramago, já que dele sei tão pouco. Desconheço fatos abonadores ou desabonadores de sua vida pessoal e de sua personalidade. Sei apenas que era escritor e que esteve em Curitiba em 2000, quando lotou um auditório de 1.300 lugares com leitores que o aplaudiram em pé. Cena linda de se ver. E é essa cena que merece ser registrada por revelar que, em meio à vulgaridade reinante, há espaço para prazeres inteligentes e elegantes.

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