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Pode dizer que estou citando muito o trabalho dos outros, que ando explorando textos que não são meus. Não vou negar que faço isso, que escrevi sobre Paulo Mendes Campos, Drummond, Elsie Lessa e outros mais. Vou mais longe e confesso: nas últimas férias, li muitos textos de Rubem Braga e tive o impulso de entregar os tacos. Ou as bets, como se diz em Curitiba. Minha vontade era dizer: "Leitor, vou ser honesta e, para dar a você algo de grande qualidade, passarei a reproduzir aqui as crônicas do Velho Braga".

Mas meus chefes não pagariam mais meu salário e alguns de vocês também considerariam a atitude um abuso. Sendo assim, persisto. E persisto na citação de outros autores. O que fazer se, lendo O Livro do Travesseiro, tive o desejo de dividi-lo com vocês?

O Livro do Travesseiro (Editora 34) foi escrito por uma mulher que viveu na corte imperial da cidade japonesa que hoje chamamos de Quioto, no século 11. É um daqueles livros que pode ser lido ou ser estudado. Cada frase de Sei Shônagon faz alusão a várias tradições religiosas, culturais e literárias do Japão e da China. Entender tudo exige um esforço grande. Eu li – não estudei os escritos de Sei. Por isso só registrei a poesia de suas palavras e suas descobertas para viver bem.

É assim quando ela escreve no capítulo "Coisas que nos alegram": "Ler a primeira parte de uma narrativa ainda desconhecida, ficar muito fascinada e depois encontrar a continuação / Juntar os pedaços de uma carta que alguém rasgou e abandonou e conseguir ler uma sentença... / É motivo de alegria a pessoa querida ser elogiada pelos outros e reconhecida por seu caráter...".

Há ainda "Coisas que aterrorizam" ("um ladrão que entra numa casa vizinha..."), "Coisas que simplesmente passam e... passam" ("O barco a vela. A idade das pessoas. A primavera, o verão, o outono, o inverno").

Tudo muito óbvio, dirá você. A culpa é minha, que escolhi os comentários mais singelos de Sei porque neles está um grande mérito dela, que é registrar os elementos da vida que não mudam com o passar do tempo, das dinastias, das civilizações. É nas coisas simples da vida que a cortesã do século 11 se parece com você e comigo. Se nós também anotássemos em um caderno as "coisas que causam inesperada decepção" seríamos compreendidos por nossos netos apenas nos itens mais íntimos, que esses durariam.

Talvez porque Sei observe a vida com tanta vontade, enxerguei nos seus escritos uma sensualidade permanente, ainda que discreta. Parece que ela foi uma grande sedutora, mas nos escritos não entra em detalhes sobre suas experiências. Discreta como deve ser uma dama que vive perto da família imperial japonesa (existe outra família real mais discreta que aquela, até hoje?), ela se revela um pouco mais em um texto capaz de provocar identificação nas mulheres de hoje:

"Um amante que sempre lhe enviava o poema da manhã seguinte disse-lhe na despedida: ‘Como foi que aconteceu? Agora, já não temos mais nada a nos dizer’. Na manhã seguinte, não encontrando nenhuma carta trazida pelo mensageiro que deveria já estar à sua espera na porta, ela passa o dia triste, a se dizer: ‘Realmente, ele está decidido’."

A história tem um final feliz. Os detalhes, deixo para você descobrir.

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