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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Quando o Titanic afundou, há cem anos, levava dois homens que chamavam muita atenção a bordo, mas que foram esquecidos logo depois. O que os fez notáveis dentro do navio foi também o que os tornou invisíveis depois: a raça. Um era negro – e era a única pessoa negra no navio. Outro era japonês, o único oriental a bordo. Os tripulantes e passageiros do Titanic eram europeus e americanos (do Norte e alguns do Sul, mas todos brancos). A história desses dois homens "diferentes" é uma tragédia dentro da tragédia.

Joseph Philippe Lemercier Laroche era filho de uma família próspera do Haiti. Descendia de um capitão francês que se casou com uma nativa da ilha e se instalou por lá. Um tio de Joseph Philippe era o presidente do Haiti na época da viagem do Titanic. A família mandou-o à França para estudar. Lá, ele se formou engenheiro civil e, aos 22 anos, se casou com uma francesa, Juliette, filha de um comerciante da cidade de Villejuif. Tiveram duas filhas. Joseph Philippe só conseguia trabalhos malremunerados porque as empresas francesas não queriam um engenheiro negro.

Uma foto da família mostra Joseph Philippe como um homem esbelto e elegante, de bigode bem cuidado.

Precisando de dinheiro para cuidar da saúde de uma das filhas, Louise, nascida prematura, Joseph Philippe decidiu voltar para o Haiti. Planejou a viagem para 1913, mas a esposa engravidou e o casal decidiu antecipar a viagem para que o bebê nascesse no Haiti. A passagem foi comprada para outro navio, que acabou não aceitando os Laroche por causa da idade das crianças, muito pequenas. Joseph Philippe e Juliette conseguiram trocar os bilhetes por outros, na segunda classe do Titanic.

Na noite do naufrágio, 14 de abril de 1912, Juliette e as duas meninas embarcaram em botes e se salvaram. Joseph Philippe morreu. Sua pequena família voltou para a França, onde nasceu o bebê, batizado como Joseph Philippe Junior. Adulto, ele se casou com uma francesa e teve muitos filhos. Suas irmãs nunca se casaram.

Também espantosa é a história do japonês Masabumi Hosono, que sobreviveu. Tinha 42 anos, era funcionário público e voltava de um longo período de trabalho no exterior. Estava em sua cabine, na segunda classe, quando foi avisado do acidente. Correu de um lado para outro em busca de ajuda, a cabeça martelada pelo pensamento de que nunca mais encontraria sua mulher e seus filhos. Viu quando um marinheiro avisou que restavam dois lugares em um bote lotado de mulheres e crianças. Um homem correu ocupar um dos lugares e Hosono se animou a fazer o mesmo. Salvou-se e voltou ao Japão. Aí começou sua desgraça.

Em seu país natal, a sobrevivência de Hosono foi vista como uma grande vergonha. Ele foi demitido do serviço público, jornais falavam de sua covardia e um professor de ética chegou a usar seu comportamento como exemplo de imoralidade. Os japoneses preferiam que ele estivesse entre as 1.523 vítimas e não entre os 717 sobreviventes. Talvez agravasse a situação de Hosono o fato de ele ser descendente de uma linhagem de samurais. O samurai se salvou usando um lugar em um bote salva-vidas que poderia ter sido usado por outro, qualquer outro? Para a cultura japonesa, aquilo foi uma agressão, uma desonra. Hosono passou o resto da vida como um homem alquebrado, humilhado. As lembranças do naufrágio eram mantidas em segredo. Só foram registradas em um diário, que mantinha escondido. Foi encontrado após a morte dele, por uma neta.

Uma foto que se pode ver na internet retrata-o como um homem de olhar tristes. Como Joseph Philippe, usava bigode.

Pode ser que Hosono não seja mais visto como um vilão em seu país. Talvez nós, os curiosos, tenhamos a chance de saber como ele é visto agora quando pipocarem as reportagens sobre os cem anos do naufrágio do Titanic. Sobre Joseph Phillipe, se ele for lembrado, já será um desagravo. Nas páginas e páginas de reportagens sobre o Titanic e suas vítimas publicadas pela imprensa de vários países após o acidente, ele nunca era mencionado. Seu nome chegou a desaparecer da lista de mortos.

Foi através da filha, Louise, que se descobriu que aquele homem negro estava no navio. Na época do lançamento do filme Titanic, em 1997, Louise foi muito procurada para entrevistas e não perdeu a chance de falar de seu pai. Morreu poucos meses depois.

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