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Ilustração: Felipe Lima |
Ilustração: Felipe Lima| Foto:

Na hora de pagar o pão com manteiga e o café, cadê a carteira? Meu filho pegou-a para tirar dinheiro para o lanche e não recolocou na bolsa. Com o canto dos olhos, sondo a moça do caixa. Como eu temia, ela é nova por ali. Bem hoje, não estão lá os outros dois que me atendem todo dia, que já me conhecem. Ela assume uma expressão de pouco caso misturado com antipatia que eu reconheço: as pes­­soas usam essa expressão quando não sabem se devem confiar ou não em você. Não querem parecer muito compreensivas, com medo de fazerem papel de bobas. Por outro lado, pode ser que o cliente esteja realmente com problemas. E, acima de tudo: que escolha a moça tem? Vai exigir que eu deixe o anel como garantia? É bijuteria. Os óculos de grau de hastes tortas? Que piada... Vai me manter na padaria e exigir que eu chame alguém para trazer R$ 1,90? Não vale o estresse. Sem ter o que fazer, me deixa ir. O carro está tão longe que tenho certeza de que a caixa vai achar que levou o calote. Resgato a carteira e uma nota de R$ 2 e volto para a padaria, onde recebem o dinheiro com total indiferença.

Há pouco mais de um mês, passei por situação parecida no posto de gasolina. Os dois rapazes que me atenderam – frentista e caixa – pareciam não saber como agir, mas não se mostraram estressados. Sem escolha, me deixaram ir enquanto a conta de R$ 100 esperava. O cartão tinha ficado em casa. Quando voltei para pagar, o frentista me contou que uma vez passou pelo mesmo apuro e que os funcionários do posto onde ele abastecera foram agressivos e o ameaçaram.

Meu palpite é que com ele a reação foi pior porque é homem e jovem. Homens jovens são suspeitos. De muitas coisas. Em al­­guns casos, merecidamente (por exemplo, tendem a dirigir perigosamente). Em outros casos, apenas por serem o que são. Mulher de 40 anos é menos suspeita. Aliás, é suspeita de outras coisas (de esconder a idade, por exemplo), mas é improvável que a imaginem dando uma de esperta e fugindo de um posto sem pagar a gasolina. Ou da padaria, depois de comer um pão com margarina.

Gostaria de acreditar que tenho cara de honesta, mas acho que sou apenas beneficiada pela classificação demográfica que está na cabeça das pessoas e é usada tanto quando você esquece a carteira, como quando procura emprego ou tenta paquerar. Às vezes a classificação demográfica te favorece, às vezes te prejudica. Depois dos 40, parece que quase sempre te prejudica. Mas pelo menos parecemos mais honestos.

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