Num encontro com o romancista Antônio Torres, contei a novidade: serei pai de novo. As perguntas nesta hora são inevitáveis:
É menino ou menina?
Sorrio um pouco, fazendo suspense. Se estamos numa refeição, tiro um pouco mais de comida, levo à boca uma porção pequena e mastigo lentamente, eu que como com certo desespero.
Menino eu disse, depois de fazê-lo esperar.
Maravilha. E já tem nome?
Antônio falei.
Toque aqui me disse Antônio Torres, estendendo-me a mão, comovido por ver seu nome replicado num rebento.
Por décadas, ninguém mais dava esse nome aos filhos. Isso explica o protesto de alguns e a emoção de outros.
Antônio Torres tirou do bolso o molho de chaves e me mostrou uma chavinha com uma imagem de Santo Antônio, que ele carrega como amuleto.
Vou conseguir uma chavinha dessas pro teu Antônio.
Passados uns poucos meses, recebo carta de Torres. Dentro, a pequena chave, e os votos de uma vida feliz para meu filho. A mulher dele, Sônia Torres, na volta da universidade, passou pelo Convento de Santo Antônio e comprou a minúscula chave. É o presente mais simbólico que Antoninho recebeu até agora. Para que a chave abra as portas do bom sono, pendurei no berço que o aguarda.
Outro presente simbólico chegou de Rosemary Alves, editora da Bertrand Brasil. Quando lhe contei da gravidez, ela me mandou as provas de prelo de um de meus livrinhos para criança Estatutos de um Novo Mundo para os Animais, maravilhosamente ilustrados por Raul Fernandes. Minha mulher mandou emoldurar e agora está na parede do quarto, dando um colorido artístico a este lugar preparado para quem em breve chegará de terras ignotas.
Minha filha e minha mulher percorrem lojas e compram bonecos e brinquedos. Depois de mais de trinta anos, convivo novamente com carrinhos de plástico. Tudo é novo, embora os pais sejam esses velhos de cabelos que rapidamente ficam brancos.
O maior receio de ter filho depois de certa idade é que nos tornemos mais avós do que pais.
Quando meu filho estiver com 20 anos, terei 62.
Não faça essas contas me aconselha minha mulher.
Mas é inevitável. Fazemos contas na esperança de que cheguemos à idade projetada, até que a ultrapassemos. Quando meu filho tiver minha idade, serei um ancião de 84 anos. Mais ou menos nessa altura da vida, Saul Bellow, o romancista norte-americano, foi pai pela última vez. Vamos lembrando desses casos para criar coragem.
Confessei esta preocupação a meu amigo Júlio Pimentel Pinto, grande crítico literário e figura ótima. Disse-me que ele e a mulher já estavam pela casa dos quarenta quando tiveram a primeira criança. Na sala de aula da filha deles, a maioria dos pais estava com a mesma idade. Nada mais natural do que começar uma família aos quarenta. Isso reflete a mudança da expectativa de vida e de felicidade da população. Casa-se mais tarde, depois da faculdade, da pós-graduação, de ter viajado bastante.
Começamos então a notar que vários amigos e conhecidos de nossa faixa etária faixa otária, diria outro amigo estão com filhos recém-nascidos. Fico nos imaginando daqui a 10 anos, nas reuniões de pais na escola. Cabeleiras brancas e revoltadas, comentando as proezas de nosso pimpolho.
Mas me tranqüilizo por saber que isso é um fenômeno mundial, pelo menos da classe média para cima. Filhos chegam mais tarde, é a nova ordem sexual do mundo. Nossas mulheres quarentonas estão enxutas e prolongam indefinidamente o seu poder de conquista, roubando-nos o bom senso na hora da prevenção. E o resultado é esse filhos.
Bem, estas conclusões nos deixaram entusiasmados. Não importa que sejamos pais maduros, um filho vem para nos levar mais longe nesta aventura insensata. Então brindemos a sua chegada.
Nas últimas visitas ao ginecologista, minha mulher ficou sabendo que o Antônio deve nascer entre 20 e 26 de julho. Não vai ser parto normal. Então, podemos escolher a data. Começou um novo drama.
O aniversário de minha mulher é no dia 21 de julho e, como ela é a pessoa mais calma aqui em casa, com uma paciência infinita, desejemos que Antônio herde seu gênio, sua visão otimista, sua crença no outro.
Vamos marcar a cesariana para o dia 21 proponho.
Minha mulher não diz nada. Mas, à noite, antes de dormir, ela pede.
Gostaria de marcar para o dia 24.
De jeito nenhum protesto.
É que faço aniversário no dia 24 de julho.
Gostaria que ele nascesse sob o signo de leão ela insiste.
Para ser mais um atormentado?
Para herdar sua determinação ela diz, com voz carinhosa.
Ficamos pensando nisso. Câncer ou leão? 21 ou 24 de julho? Visão pacífica ou crítica?
Uma amiga nossa, que também teve filho aos 40, informada sobre o dilema, não perdoa.
Ele tem que ter uma data dele. Uma personalidade própria. Escolham outro dia.
Nossa filha é mais impiedosa.
Logo vocês morrem e ele vai ficar carregando para sempre a tristeza de ter nascido no dia do aniversário de um de vocês. É muito egoísmo, não acham?
Diante destas opiniões, e segurando firme a chavinha de Santo Antônio oh, dai-nos vida longa! nós nos recolhemos definitivamente à nossa meia idade e meia.



