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Miguel Sanches Neto

Como me tornei colunista

Comprávamos por quilo os jornais velhos para servir de papel de embrulho na máquina de arroz que minha família tinha no final da Avenida Vila Rica, em Peabiru. Embora freqüentássemos a escola, não havia o hábito de ler nem livros nem jornais. Mesmo assim, nas horas de tédio, quando ficávamos aguardando a chegada de algum cliente, percorríamos as matérias dos dias perdidos no calendário do jornalismo. Esta experiência, descontínua e desordenada, não anunciava meu futuro como leitor. Só na época da faculdade, comecei a ter jornais atualizados, descobrindo o mundo contemporâneo.

Foi assim que me tornei um leitor de cadernos de cultura e afins, um leitor de jornais mais nos finais de semana, quando a novidade das matérias é menos importante do que o seu poder de permanência. Continuo, de certa forma, preso àquelas experiências matinais.

Mudando-me para Curitiba em meados dos anos 80, meu maior desejo era escrever para jornais – um sonho quase impossível para o jovem tímido e interiorano, que não conhecia ninguém na capital. Escondendo-me atrás de envelopes, mandei poemas e minicontos a praticamente todos os periódicos em circulação; por motivos insondáveis, e para minha alegria, alguns acabaram publicados. Era, no entanto, uma alegria insatisfatória. Eu desejava manter uma colaboração fixa.

Isso só aconteceu a partir de 1994, há exatos quinze anos. À época, a Gazeta do Povo redefinia seus suplementos, passando por uma mudança completa – lembro-me dos raros computadores e das muitas máquinas de escrever na redação. A área da cultura estava sob o comando da jornalista Ana Amélia Filizola, que formava aquela que seria a primeira equipe deste Caderno G, que aliás se chamava Cultura G. Como colunista (então, crítico de livros), sou uma descoberta da Ana Amélia, pois foi sua generosidade que permitiu que eu me tornasse colaborador recorrente, até ter este espaço semanal.

Cheguei à Gazeta do Povo sem conhecer nada da rotina jornalística. Meus primeiros textos (andei folheando a amarelada coleção de recortes) traziam todos os vícios da escrita universitária. Citações pretensamente eruditas, termos técnicos, pontos de vista consagrados dentro da academia, sisudez, uma tendência para escrever muito e dizer pouco etc. Como antídoto a esta linguagem, alguns textos descambavam em direção inversa: a linguagem exageradamente poética, em tributos a escritores que eu admirava.

Eu não sabia o que era produzir para jornais, e mesmo assim fui aceito. Se vale a tese de Górki, que cursamos nossas muitas universidades ao cair no mundo, posso dizer que a Gazeta do Povo foi minha faculdade de jornalismo. Aos poucos, acabei dominando minimamente a arte de escrever para públicos mais abertos. Consegui isso sem um método, sem um projeto ordenado, imitando jornalistas e críticos, fazendo amizades com todos os profissionais da área, amizades vivas ainda hoje. Foi também a partir da Gazeta do Povo que cheguei a revistas e jornais de outros estados, e até acabei indicado para dirigir a Imprensa Oficial do Paraná, órgão que tentei colocar a serviço da cultura, seguindo assim o aprendizado de colunista do Caderno G.

Um aprendizado totalmente a distância, pois, infelizmente, nunca participei da rotina de redação. No começo, mandava minha matéria por fax, hoje uso o e-mail e continuo quase não indo ao jornal, por conta de minha incorrigível timidez. Mas posso dizer que aprendi a escrever nestas páginas, porque este é um tipo de coisa que só acontece no exercício do ofício, na superação insistente dos erros, na vergonha que passamos ao ler um texto nosso e ver que ele está ruim, na cobrança e no elogio dos leitores. Não há nada mais valioso para quem escreve em jornal do que a opinião do leitor.

Nestes quinze anos como colunista, publiquei apenas neste caderno mais de 800 artigos. Mas não me fiz apenas cronista, praticamente aprendi a escrever aqui. Muitos escritores reclamam da lógica do texto jornalístico, e se rebelam contra ela. Admirador desde sempre do velho Hemingway, tomei o jornal como um laboratório de linguagem, onde posso fazer as mais diferentes experiências de composição, testando estilos e temas.

Já pensei em parar de fazer literatura e em abandonar o magistério, mas nunca me imaginei sem escrever para jornais. Ao contrário, nas horas de desânimo, fico sonhando em viver apenas de minhas crônicas e de matérias especiais. Eis meu ideal de profissão.

Hoje, quando a Gazeta do Povo completa 90 anos, achei que devia fazer este depoimento. Vindo de uma experiência de orfandade, e sem conhecer pessoas importantes, encontrei mais do que um lugar para publicar textos. Aqui, pude construir meu nome, um nome oriundo das camadas mais incultas do país.

Por isso, o menino que começou lendo jornais usados para embrulho, hoje se sente extremamente honrado por participar de um jornal que é um grande ponto de convergência, que sempre soube abrigar os mais destacados nomes de nossa cultura e fazer apostas nos novos.

Todos que se interessam pelo Paraná sabem exatamente onde encontrá-lo.

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