Sexta-feira que passou foi dedicada, pelo menos na publicidade, aos felizes proprietários de carros, pedindo que deixassem seus veículos nas garagens. Como nós vivemos na terra do "Para inglês ver" ou então do "Faça o que eu mando e não faça o que eu faço", tivemos a impressão de que todo mundo tirou seus automóveis das garagens e veio para a rua.
Muitas vezes já abordamos o trânsito pelas ruas curitibanas em tempos idos. Entretanto, um comentário sobre o movimento atual de viaturas não custa fazer. O distinto leitor, feliz dono de um desses pés de borracha, já parou para pensar o quanto custa em seu bolso sustentar a própria condução? Não? Vamos fazer uma pequena listinha do que aparece logo que saímos de casa pilotando o nosso carrão. Nosso? Vírgula!
Abastecer no posto de gasolina, trocar o óleo, uma gorjetinha para o frentista. Começou o dia. Na primeira esquina, o sinal fechado: "Moço, por favor, colabore com a campanha contra a aids". Moiçola gorda chamando o ancião de moço. Diante da negativa, uma carga de impropérios. Algumas esquinas adiante, um moleque ágil vai colocando pacotinhos de balas nos espelhos laterais sem a menor cerimônia. Afinal, o teu carro está na rua e, como a rua é de todos, a tua propriedade foi para o brejo.
Mais adiante, outro sinal fecha e, na tua frente, salta um saltimbanco fazendo macaquices com laranjas, garrafas de pau e cabos de vassouras. Escapamos de mais um obstáculo. Sair de carro até dá a impressão de que estamos participando de uma gincana. "Tio dá uma moedinha?" Quem inventou essa de que criança não quer esmola, quer futuro? Para eles, o futuro não mata fome.
Quase chegando ao destino, com a cabeça já meio embaralhada, olhando para o sinal que não abre, levamos um susto: uma garota oferecendo panfletos enfia a cara pela janela bisbilhotando o interior da tua propriedade. Ufa! Afinal encontramos um lugar apertado para estacionar. Não temos a folha do EstaR, vamos à procura da tiriva para comprar, dobramos a esquina olhando de um lado para outro, não vemos nem uma. Voltamos o olhar para o nosso bendito carro, quem está ao seu lado? A própria solerte fiscal da Urbs, já com a notificação na mão. Agora não dá mais para anular, cinqüenta jurupocas mansas de gaiola serão desembolsadas para pagar a distração. Não sei se o leitor já notou como essas tirivas surgem do nada? Nem o gênio da lâmpada consegue ser tão rápido.
Colocada a folha do EstaR, vamos seguir em frente, agora a pé. "Tio, vou cuidar do seu carro pra ninguém riscar". Não concorde, o carro vai ter um risco novo na pintura. Cumprimos os compromissos, voltamos ao veículo. Pô! Lá está a mulher do EstaR, corremos e conseguimos alcançá-la, no momento exato em que sua caneta iria correr sobre o bloco. Moça! Moça! Já estou saindo! "Dessa vez passa, a tolerância agora é de cinco minutos". Agradecemos pelo penhor da gentileza.
Depois de jogar fora a carga de panfletos, enfiados embaixo das palhetas dos limpadores de pára-brisas, com anúncios de planos de saúde, de como se livrar das multas ou onde consultar uma cartomante especializada em búzios e também em tirar dinheiro de trouxas, vem a voz da proteção: "Cuidei direitinho do seu carro". Mais uma gorjeta, ou será achaque? A volta para casa é um pouco mais calma, apesar dos nossos camicases de motos, que passam qual enxame de mamangavas, e de um ou outro carrinho de catadores, estes uma necessidade.
Carro na garagem. Paramos para admirá-lo, nossa propriedade. Ah! Amanhã vence o emplacamento e o IPVA, e na semana que vem renovamos a carteira, caso contrário não dá para viajar. Viajar? Reserve uns bons cobres para você pagar os pedágios da estrada, estrada que foi construída com os teus impostos e agora está em outras mãos. Cuidado com os radares, vamos parando por aqui, mas não sem antes publicarmos o que estava escrito numa faixa colocada no tal Dia sem Carro nas esquinas das Ruas Marechal Floriano e André de Barros: "Qualidade de vida começa na rua".
Ilustramos a Nostalgia deste domingo de primavera com imagens antigas do centro de Curitiba, onde o automóvel aparece com destaque, dando uma ponta para o antigo transporte coletivo, que era prestado pelos bondes.
A primeira foto mostra a Rua XV de Novembro em 1930, com curitibanos de maiores posses desfilando com seus carrões.
A segunda foto mostra dois bondes trafegando pela Rua XV, em 1920.
Já na terceira imagem, o guarda-civil comanda o primeiro sinaleiro da cidade, instalado em 1948 na Avenida Luiz Xavier. Ao fundo, a Rua XV.
Temos como última imagem a foto feita em 1966 na Avenida Luiz Xavier, em frente do Cine Avenida, onde vemos o público passeando, em uma noite de verão, pelas calçadas e o fluxo de automóveis que então ainda circulavam por ali.



