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 | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Tarde de segunda-feira, Centro de Curitiba: depois de não ter tempo de almoçar, você para em uma panificadora, compra uma empada de palmito salvadora, volta correndo para o carro e segue, intrépido, para mais uma jornada laboral. Por incrível que pareça, ao tentar comê-la durante as obrigatórias pausas do trânsito curitibano, descobre que, naquele dia, o mundo parece conspirar a favor da liberdade de deslocamento. Não há engarrafamentos e os semáforos, misteriosamente, piscam do vermelho para o verde assim que o carro se aproxima – inclusive na burocrática Visconde de Guarapuava.

A empada, enfim, permanece por um longo tempo quieta, bandejinha de plástico aberta no banco do passageiro, à espera do próprio sacrifício, que não vem. Aliás, vem após uns dez minutos, quando você finalmente resolve deixar de lado a ética de uma condução mais segura para abocanhá-la sem piedade, largando um rastro gorduroso de migalhas sobre o banco e o console do carro. Contra a sincronicidade gastronômica, voracidade pura e simples.

O “pensamento mágico”, quando não esbarra na mania ou no fanatismo, não faz mal a ninguém

Mal saciada a fome (se eu soubesse, tinha comprado duas empadas), resta a interessante impressão de que, de fato, existiu uma “conspiração” a favor da circulação e contra o almoço proletário. O que é um verdadeiro absurdo – se não fosse, não haveria problemas no trânsito de Curitiba e nem empadas dando sopa na cidade –, mas que, ao mesmo tempo, faz pensar a respeito de o quanto estamos mergulhados no que os psicólogos chamam de “pensamento mágico”. E que essa forma de interagir com o mundo não surge apenas nos momentos difíceis, mas nas coisas corriqueiras da vida.

Há algum tempo, por exemplo, escrevi nesta Gazeta uma crônica sobre um colega de trabalho que, antes de enviar e-mails importantes, diz algo como “vai e acerta o alvo”, exatamente como, por milênios, fizeram arqueiros de todas as partes do mundo. O hábito é tão arraigado, aliás, que ele não faz a menor questão de escondê-lo, defendendo, inclusive, que a tal “ordem mágica” dá uma forcinha na resolução de problemas.

É justamente o mesmo tipo de percepção que sustenta a crença de que o pão sempre cai com a manteiga para baixo (pessimismo de viés mágico), o insistir na mesma combinação de números em todos os jogos da Mega-Sena ou o usar a ancestral esgarçada “cueca da sorte” nas finais de campeonato. Coisas que, quando não esbarram na mania ou no fanatismo, não fazem mal a ninguém. E ainda ajudam a superar uma pequena frustração gastronômica em plena tarde curitibana.

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