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Edward James Olmos, Ridley Scott, Daryl Hannah e Rutger Hauer, na exibição de "Blade Runner: a versão final", em Veneza | AFP/Gazeta do Povo
Edward James Olmos, Ridley Scott, Daryl Hannah e Rutger Hauer, na exibição de "Blade Runner: a versão final", em Veneza| Foto: AFP/Gazeta do Povo

A Conferência da Cidade é uma daquelas idéias que deveriam ser anunciadas em praça pública, com banda de música ao fundo e revoada de pombos. Trata-se de um encontro bienal, previsto pelo Estatuto da Cidade para provocar conversas urbanas e civilizadas entre o poder público e movimentos populares. Poderia ser o mais perfeito dos mundos. Desde 2001, quando o estatuto entrou em vigor, Curitiba já fez três eventos do gênero, o último nos dias 29 e 30 de junho deste ano, com 900 participantes. Dali poderiam ter saído sugestões importantes para integrar a capital e suas vizinhas, com sobra o maior desejo dos 3 milhões de habitantes da região metropolitana. Mas não foi o que aconteceu.

A conferência foi anulada na última sexta-feira por dois órgãos reguladores – um estadual e um federal – pondo à mostra o campo minado em que se tornou a relação da prefeitura com os movimentos voltados para a habitação. Para a prefeitura, a rasteira que botou por terra a conferência é fruto de uma manobra política da oposição à administração do prefeito Beto Richa. Para os mais de 20 reclamantes – entre ONGs, sindicatos e associações –, o evento foi montado com tamanha ojeriza à participação popular que seu destino só podia ser um: o engavetamento e o esquecimento.

Por ora, está valendo a segunda versão. A prefeitura ainda não decidiu se vai entrar com recurso contra a invalidação, pois ainda digere a derrota e começa a recolher as primeiras manifestações dos participantes, digamos, mais cordatos. "É uma pena. Fizemos prévias nas nove regionais. Foi bastante participativo. O problema são os grupos que não chegaram até o fim do processo e não aceitaram não ser votados como delegados. Para essa parcela, só tem democracia quando eles e os amigos estão dentro", defende-se o engenheiro Augusto Canto Neto, presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), órgão que encabeçou o evento.

Canto Neto alega que cada etapa do evento passou por votação; que a informação de que haveria a conferência saiu em dois jornais de Curitiba; que havia panfleto nos ônibus urbanos e informações no site da prefeitura – invalidando a tese de que o encontro propositalmente não teve divulgação e não cumpriu prazos. Com licença para habilitar 500 entidades, chegou-se a 378 grupos. Desses, 307 mandaram representação à conferência e 75 saíram delegados. Mas uma exigência da prefeitura – o de que os delegados tivessem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e estatuto – acabou tirando a voz de alguns movimentos, inclusive de representação nacional.

Foi o princípio da confusão. Para as quatro entidades mais fortes do setor de habitação em atividade no estado – o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), União Nacional de Moradia Popular (UNMP), Central de Movimentos Populares (CMP) e Conferência Nacional das Associação de Moradores (Conam) –, a burocracia foi orquestrada para calar os grupos que mais pedras colocam no sapato da prefeitura. "Movimento popular não precisa de CNPJ. Em nosso lugar ficaram pessoas que não têm nada a ver com o assunto. Tem clube de mães liderado por um homem. O que querem que a gente pense?", questiona Maria da Graça Silva de Sousa, 41 anos, coordenadora da UNMP. "Nossa organização é política, não institucional. Em vez disso, foram aceitas entidades que não representam o movimento urbano e gente com cargo comissionado na prefeitura. Querem transformar nossas conquistas em legado do prefeito", acrescenta Valdir Mestriner, 39 anos, do Sindiurbano e CUT.

O Ippuc rebate a crítica mais uma vez, afirmando que há pelo menos dez entidades reclamantes entre os delegados, doendo-se pelas amigas próximas que não receberam votos ou não cumpriram a determinação de ter CNPJ. Canto Neto lembra que os grupos de habitação que puseram a boca no trombone participam de uma comissão interna da Cohab.

"Tentamos uma mediação, mas só ouvimos desaforo. Eles não querem diálogo. Para eles, a Associação de Moradores do Bairro Alto não vale. Quem saiu prejudicada foi Curitiba. De qualquer modo, entidade sem CNPJ para mim não existe. Se em Brasília, no Ministério das Cidades, é diferente, até dá para entender. Os jornais todos os dias nos mostram o que anda acontecendo por lá", alfineta.

Para os líderes populares, o Ministério das Cidades é a palavra-chave de toda essa conversa atravessada. Hoje, há verba do Fundo Nacional de Habitação Social e, por acréscimo, um olhar mais interessado das prefeituras com o que antes parecia ser um estorvo. "Ajudamos o setor a se desenvolver, montamos as conferências anteriores e agora não somos mais chamados a participar. É um absurdo, uma arbitrariedade. Não se pode mesmo servir à população de baixa renda e aos interesses imobiliários", lamenta a líder Hilma de Lourdes Santos, 45 anos, coordenadora do MNLM e uma espécie de personagem-símbolo da luta pela moradia em Curitiba e região metropolitana.

Resumo da ópera. Até o fim de setembro acontece a Conferência Estadual das Cidades, dessa vez com participação dos que se sentiram excluídos da edição municipal. Os movimentos populares insistem que a prefeitura não sabe conversar como gente grande, preferindo parceiros menos briguentos. A prefeitura, do alto de mais de 30 audiências públicas, insiste que é modelo nacional de gestão democrática. Não tem meio-termo. A briga está só começando.

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