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Ganeses fazem fila em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul para conseguir a permanência | Mauro Vieira / Agência RBS
Ganeses fazem fila em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul para conseguir a permanência| Foto: Mauro Vieira / Agência RBS

Ajuda ou negócio?

Africanos pagaram até R$ 9 mil e PF investiga se houve tráfico humano

Agência RBS

O prefeito de Criciúma (SC), Mário Búrigo (PP), diz estar sensibilizado com a situação dos ganeses refugiados na cidade, mas não esconde a preocupação. "Creio que muitos são vítimas do tráfico internacional de seres humanos. A polícia precisa investigar", diz. Búrigo se refere ao fato de que alguns ganeses estão cobrando dos compatriotas para facilitar a vinda e a permanência no Brasil.

A Polícia Federal investiga se existe um esquema criminoso por trás dessa migração. Os ganeses pagam até US$ 4 mil (cerca de R$ 9 mil) por um pacote que inclui passagem aérea ao território brasileiro (só de vinda), passagem rodoviária para alguma cidade onde possam trabalhar e ajuda com documentos – além de acenos de emprego, nem sempre confirmados.

A Secretaria de Defesa Social de Criciúma, mediante entrevistas com os ganeses, identificou alguns dos intermediários que recebem os compatriotas africanos e os hospedam no Brasil, mediante alguma remuneração. O material foi repassado à PF, que investiga se isso configura tráfico humano (artigo 206 do Código Penal). Para caracterizar essa situação teria de ocorrer trabalho escravo (até agora não constatado), falsidade ideológica (que será investigada) ou até estelionato (se o intermediário garante algo que não possa cumprir, como emprego).

Colapso

Criciúma recebeu 1,4 mil ganeses, senegaleses e haitianos em poucos meses

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"Nós perdemos o controle. O Itamaraty e o governo federal precisam tomar providências", diz a secretária de Ação Social de Criciúma, Solange Barp. O problema, diz Solange, é que a chegada em grandes grupos gera um problema de assistência social e demanda por tratamento de saúde. A estimativa é de que chegaram na região de Criciúma, nos últimos meses, mais de 1,4 mil estrangeiros, entre ganeses, senegaleses e haitianos. Falta dinheiro para comida, embora muitos ganhem ajuda da prefeitura, inclusive para se alimentar na Casa de Passagem São José. Os empregos começam a escassear e muitos perambulam pelas ruas atrás de "bicos".

Enoch Appia traz as marcas da dor no rosto. Cada face é marcada por uma cicatriz em diagonal: quando criança, Appia ficou gravemente doente. No intento de salvá-lo da morte, a mãe talhou-lhe o rosto em oferenda aos deuses. Aos 30 anos, dono de uma oficina mecânica em Acra, capital de Gana, casado e pai de três meninos (de 6 e 4 anos e 3 meses), ele atravessou o continente africano e um oceano para tentar ganhar a vida no Brasil.

"Gana hoje tem inflação muito alta e economia em crise, eu precisava sair de lá. A nossa única chance de conseguir um visto apareceu com a Copa do Brasil. Estava fácil, então eu vim", disse Appia, em um abrigo provisório da prefeitura de São Paulo. Para custear os US$ 1.300 da passagem, a família vendeu joias e roupas.

Assim como Appia, outros 8.766 ganeses obtiveram visto de turismo para o período da Copa. O número é desproporcional considerando-se que, somados, os quatro demais países africanos que participaram da Copa não atingem a mesma quantidade de vistos expedidos para ganeses. Juntos, Argélia, Camarões, Costa do Marfim e Nigéria possuem população quase 11 vezes maior do que a de Gana.

Há, no Brasil, 1.132 ganeses. Pelas regras do visto, eles têm 90 dias para permanecer no país. Mas a Polícia Federal (PF) já sabe que ao menos 500 deles pediram refúgio. E outros estão na fila para entrar com o pedido. Appia terá de esperar até 25 de agosto pela audiência na PF.

Para vir ao Brasil, Appia não teve a ideia sozinho. Ele é membro da Ghana National Supporters Union, uma torcida organizada ganesa. Com a ajuda da organização, ele teria conseguido driblar o pré-requisito para obter um visto de turista para a Copa: apresentar ingressos ou comprovante de compra de ingressos para os jogos. Apenas ao dizer que pertencia à torcida e pagar a taxa de US$ 200, ele teve o passaporte estampado pela Embaixada brasileira.

Em nota, o Itamaraty afirma que todos os vistos foram expedidos conforme a determinação da Lei Geral da Copa e que não houve irregularidade. Já o delegado da PF em Caxias do Sul, Noerci Melo, admite que a movimentação dos imigrantes é organizada e tem apoio de terceiros no Brasil e em Gana, mas diz ainda não ter provas de cobrança por essa ajuda.

"Auxiliar alguém com informações e com apoio material para fins de imigração não é crime. Nesse caso, os ganeses ingressaram no Brasil de forma legal. Haveria crime apenas nos casos de tráfico humano, aliciamento para trabalho escravo ou com fins de exploração sexual", diz Melo.

Em busca de trabalho

No posto da PF em Caxias do Sul, onde há uma grande concentração de ganeses, os processos se empilham sobre as mesas. A grande demanda forçou o governo a preparar uma força-tarefa para acelerar o trâmite. Ontem, agentes do Ministério da Justiça e do Ministério do Trabalho iniciariam cadastramentos para conceder carteiras de trabalho aos imigrantes. Enquanto isso, se espremem em abrigos provisórios ou quartinhos alugados em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Caxias do Sul e Criciúma.

"Eles estão nas regiões mais pobres e distantes, acolhem-se uns aos outros, a ponto de estarem 11, 12 pessoas num espaço muito reduzido. É uma situação extremamente precária, que afeta a dignidade humana", afirma a freira Rosita Milesi, do Instituto Migrações e Direitos Humanos, em Brasília, que tem prestado auxílio aos ganeses no Distrito Federal.

PF fará mutirão para regularizar imigrantes

Agência RBS

O governo brasileiro abriu os braços para acolher os ganeses que ingressaram no país durante a Copa e, agora, fazem pedidos de refúgio. A Polícia Federal fará hoje um mutirão em Caxias do Sul para regularizar a situação de 50 deles. A decisão foi tomada ontem entre os ministérios da Justiça, das Relações Exteriores e do Trabalho, junto com a PF e de secretários municipais e estaduais.

Segundo levantamento, 380 ganeses se deslocaram até Caxias do Sul para encaminhar pedido de refúgio junto à PF depois de ingressarem no país com visto para a Copa. Somados aos 260 pedidos encaminhados em Criciúma (SC), o número de estrangeiros que pretendem permanecer no Brasil chega a 640. Com mais 50 pedidos que deverão ser encaminhados hoje, seriam 690 imigrantes.

Também ficou estabelecido que uma força-tarefa terá a missão de reduzir para 10 dias a emissão de carteiras de trabalho para os imigrantes. A maioria dos estrangeiros quer conseguir emprego para mandar dinheiro aos parentes que ficaram em Gana. Segundo representantes do Ministério do Trabalho, já foram mapeadas cerca de 800 vagas que se encaixam no perfil dos imigrantes, a maioria no entorno de Caxias e na Serra Gaúcha.

Todos os indícios da reunião apontaram para a destinação de abrigo e concessão de refúgio, com a mobilização do governo para acelerar os trâmites. Jamais se cogitou a extradição. Os ganeses alegam conflitos étnicos e perseguição política e religiosa no seu país para justificar o pedido de refúgio.

Migração para o Sul

Os ganeses desembarcam em cidades de Santa Catarina já com carteira de trabalho na mão, após uma longa espera em São Paulo. Alguns vão a Campinas (fábricas de vestuário), mas a maioria fica em Chapecó (frigoríficos), Criciúma (construção civil e indústria do vestuário), meia dúzia de pequenas cidades do sul catarinense e, agora, Rio Grande do Sul.

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