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Movimentos sociais dizem que faltam políticas públicas que incentivem pessoas a sair das ruas. Indiferença é o maior problema | Henry Milléo/ Gazeta do Povo
Movimentos sociais dizem que faltam políticas públicas que incentivem pessoas a sair das ruas. Indiferença é o maior problema| Foto: Henry Milléo/ Gazeta do Povo

Difícil regresso

Dependência química e falta de apoio dificultam a volta para casa

A reportagem conversou com moradores de rua no Centro de Curitiba e acompanhou o trabalho da Fundação de Ação Social (FAS). A droga e a liberdade são os pretextos para permanecer nas ruas. Na maior parte das conversas, a sinceridade é clara, a vontade de resgatar a vida é latente, mas o vício é forte e o apoio ainda é insuficiente. Poucos são salvos pela insistência e dedicação de assistentes e educadores.

Fábio da Costa, 37 anos, não quer sair da rua. "Quem não gosta de pedra, gosta de cachaça", diz. Há 14 anos nas ruas, saiu de casa levado pelo crack. "Nos primeiros meses é só choradeira nas ruas, mas depois você se adapta, descobre os horários das pessoas que ajudam, sabe onde pode pedir comida", explica. O maior problema é a violência. "Quem não tem cicatriz não é da rua."

Rotina com vício

Nem sempre quem está na rua não tem onde morar. Um homem de 76 anos, por exemplo, saiu de casa na quinta-feira pela manhã. Foi encontrado pela FAS à noite, caído na calçada, sangue na cabeça e um forte cheiro de cachaça. Foi recebido aos berros pela filha, com incompreensão pela esposa e curiosidade dos vizinhos. O aposentado não resistiu ao álcool."O mais importante é a insistência diária. Cada pequena coisa que a gente consegue já é muito", diz a educadora Edna Marinho, 42 anos, quatro deles no resgate social. Ouvir o desabafo da família é outra função extra garantida pela paciência da vocação. "Já fizemos de tudo por ele. Não tem mais jeito", gritava a filha do aposentado. No final, a família o acolheu.

Ação social

FAS pretende ampliar atendimento a pessoas em situação de rua

A primeira impressão sobre a nova administração da Fundação de Ação Social (FAS), responsável pelo atendimento dos moradores de rua, é de que ela quer entender o problema para atuar com mais eficiência. Foi a ideia passada durante a primeira audiência pública sobre pessoas em situação de rua, ocorrida em Curitiba, na semana passada.

A presidente da FAS, primeira dama da cidade, Marcia Olescovicz, afirmou que pretende realizar uma série de audiências para debater com todos os envolvidos uma política mais adequada. "Precisamos, sim, dar uma atenção mais qualificada aos moradores de rua. Hoje não temos um perfil social completo para quem acessa esse serviço, não sabemos em que estágios se encontram", comentou Marcia em entrevista antes da audiência.

De acordo com ela, é preciso ter mais informações sobre como estão os moradores para possibilidade de um atendimento mais adequado. "A gente tem que entender em que situação eles se encontram no momento, se precisam de uma qualificação profissional, teremos que proporcionar isso, se precisam de oportunidade de emprego, porque já estão qualificados, teremos que fazer parcerias com privadas", explica.

Uma das primeiras promessas da presidente da FAS foi a abertura de novas vagas em albergues. Durante a audiência, o prefeito Gustavo Fruet se comprometeu a reativar o comitê intersetorial voltado à população de rua de Curitiba.

  • Muitos fazem das ruas um meio de subsistência

Quatro mil pessoas perambulam pelas ruas de Curitiba. Eles são imperceptíveis aos olhos da maioria dos passantes, que se habituaram a seguir a rotina sem parar para ouvir as vozes que vêm das calçadas. Essas "sombras" quase sempre têm famílias, tiveram emprego, uma casa, um propósito. Quando são notadas quase sempre é porque se tornaram um incômodo, ou uma ameaça. "Somos como vultos. Me sinto humilhado", diz Marcos Roberto dos Santos, um imigrante de Barretos (SP), no seu endereço "quase" fixo em Curitiba, a Praça 19 de Dezembro.

INFOGRÁFICO: Em quatro anos, número de pessoas atendidas pela FAS cresceu 25%

A capital paranaense tinha 2.776 pessoas em situação de rua em 2008, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número cresceu. A Fundação de Ação Social (FAS) atendeu 3.450 indivíduos no ano passado, aumento de quase 25% na comparação com os dados do IBGE. Já o Movimento Nacional dos Moradores de Rua estima que as marquises da capital abriguem pelo menos 4 mil pessoas. Para efeito de comparação, entre 2007 e 2012, segundo o IBGE, a população total da capital teve redução de 1,15%.

As histórias se repetem entre entre eles, que perderam seus vínculos. Os motivos são, essencialmente, o consumo de drogas lícitas e ilícitas, como álcool e crack. Algumas pessoas acreditam na hipótese de que a internação compulsória de consumidores de drogas em São Paulo e Rio de Janeiro trouxe uma migração para Curitiba. Mas ainda não há confirmações oficiais do suposto fenômeno.

Desafios

Para quem está há anos nas ruas ou acabou de chegar, o desafio é o mesmo. É preciso insistência para conseguir resgatar o próprio protagonismo. Alçá-los à independência de uma hora para outra é difícil, quase impossível, de acordo com os educadores e assistentes sociais que convivem com eles no dia a dia nas Kombis do resgate social.

A maior cobrança é tirar do papel o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Mo­­ni­­toramento da Política Mu­­nicipal da População de Rua, como pediu o coordenador do Movimento Nacional, Leonildo Monteiro Filho, na primeira audiência sobre políticas públicas para moradores de rua em Curitiba. A audiência, ocorrida segunda-feira, foi presidida pela diretora da FAS, Marcia Olescovicz. "Não houve avanço nos últimos anos [nas políticas públicas], quanto ao acolhimento. Só há albergues", critica Monteiro Filho.

De acordo com o representante da Rede de Instituições de Acolhimento de Curitiba, Rodrigo Reis Navarro, só há programas paliativos. Na avaliação dele, o município precisa integrar as políticas na área da saúde, educação, capacitação profissional e resgate de vínculos familiares, com programas de desintoxicação, odontológicos, formação profissional. Uma área complementa a outra. "Assim daria para esperar que a população de rua diminuísse", diz. Se o indivíduo não estiver preparado física e psicologicamente, a regressão às ruas é quase automática.

Indiferença se combate com solidariedade

Chamar a Fundação de Ação Social (FAS) pelo 156 não é a única maneira de aju­­dar os moradores de rua. Eles reclamam da indiferença, do preconceito e da falta de compreensão e solidarie­­dade. Membro da Rede de Ins­­tituições de Acolhimento de Curitiba (RIA), Rodrigo Reis Navarro acredita ser importante tomar atitudes que acabem com essa invisibilidade. "Evitar olhar com desconfiança. Se ele pedir ajuda, tentar colaborar, diminuir o preconceito."

Segundo ele, é importante avaliar a situação para não se colocar em risco, mas é possível fazer mais do que ligar para o 156. Dar esmola também não ajuda e acaba colaborando com a permanência nas ruas. "Cobrar políticas públicas é fundamental. Um cidadão crítico é muito melhor do que qualquer esmola", ressalta.

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