
Quatro mil pessoas perambulam pelas ruas de Curitiba. Eles são imperceptíveis aos olhos da maioria dos passantes, que se habituaram a seguir a rotina sem parar para ouvir as vozes que vêm das calçadas. Essas "sombras" quase sempre têm famílias, tiveram emprego, uma casa, um propósito. Quando são notadas quase sempre é porque se tornaram um incômodo, ou uma ameaça. "Somos como vultos. Me sinto humilhado", diz Marcos Roberto dos Santos, um imigrante de Barretos (SP), no seu endereço "quase" fixo em Curitiba, a Praça 19 de Dezembro.
INFOGRÁFICO: Em quatro anos, número de pessoas atendidas pela FAS cresceu 25%
A capital paranaense tinha 2.776 pessoas em situação de rua em 2008, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número cresceu. A Fundação de Ação Social (FAS) atendeu 3.450 indivíduos no ano passado, aumento de quase 25% na comparação com os dados do IBGE. Já o Movimento Nacional dos Moradores de Rua estima que as marquises da capital abriguem pelo menos 4 mil pessoas. Para efeito de comparação, entre 2007 e 2012, segundo o IBGE, a população total da capital teve redução de 1,15%.
As histórias se repetem entre entre eles, que perderam seus vínculos. Os motivos são, essencialmente, o consumo de drogas lícitas e ilícitas, como álcool e crack. Algumas pessoas acreditam na hipótese de que a internação compulsória de consumidores de drogas em São Paulo e Rio de Janeiro trouxe uma migração para Curitiba. Mas ainda não há confirmações oficiais do suposto fenômeno.
Desafios
Para quem está há anos nas ruas ou acabou de chegar, o desafio é o mesmo. É preciso insistência para conseguir resgatar o próprio protagonismo. Alçá-los à independência de uma hora para outra é difícil, quase impossível, de acordo com os educadores e assistentes sociais que convivem com eles no dia a dia nas Kombis do resgate social.
A maior cobrança é tirar do papel o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal da População de Rua, como pediu o coordenador do Movimento Nacional, Leonildo Monteiro Filho, na primeira audiência sobre políticas públicas para moradores de rua em Curitiba. A audiência, ocorrida segunda-feira, foi presidida pela diretora da FAS, Marcia Olescovicz. "Não houve avanço nos últimos anos [nas políticas públicas], quanto ao acolhimento. Só há albergues", critica Monteiro Filho.
De acordo com o representante da Rede de Instituições de Acolhimento de Curitiba, Rodrigo Reis Navarro, só há programas paliativos. Na avaliação dele, o município precisa integrar as políticas na área da saúde, educação, capacitação profissional e resgate de vínculos familiares, com programas de desintoxicação, odontológicos, formação profissional. Uma área complementa a outra. "Assim daria para esperar que a população de rua diminuísse", diz. Se o indivíduo não estiver preparado física e psicologicamente, a regressão às ruas é quase automática.
Indiferença se combate com solidariedade
Chamar a Fundação de Ação Social (FAS) pelo 156 não é a única maneira de ajudar os moradores de rua. Eles reclamam da indiferença, do preconceito e da falta de compreensão e solidariedade. Membro da Rede de Instituições de Acolhimento de Curitiba (RIA), Rodrigo Reis Navarro acredita ser importante tomar atitudes que acabem com essa invisibilidade. "Evitar olhar com desconfiança. Se ele pedir ajuda, tentar colaborar, diminuir o preconceito."
Segundo ele, é importante avaliar a situação para não se colocar em risco, mas é possível fazer mais do que ligar para o 156. Dar esmola também não ajuda e acaba colaborando com a permanência nas ruas. "Cobrar políticas públicas é fundamental. Um cidadão crítico é muito melhor do que qualquer esmola", ressalta.




